E aqui começo o último conto de "Em Busca do Conhecimento".
Comecei essas histórias como uma válvula de escape em 2008. As primeiras linhas foram escritas às mãos durante o primeiro encontro de blogueiros do Espírito Santo, o BlogcampES. "Odal Ortuo Od" mostrava um universo paralelo, inverso, onde Joshua e Miguel conheciam Aiarp, Alicsirp e se metiam em um grande problema com a chegada a Espilce.
Sim, são nomes estranho e difíceis de dizer, mas nunca sabemos como nossa imaginação funcionará, não é?
"O Começo do Fim" é um retorno a esse mundo paralelo, no qual, desta vez, vai Fred, professor de Joshua e criador do Interpotal.
Não sou físico, mas sou fascinado pelas teorias e estudos da Fisica (longe dos cálculos, pois odeio cálculos). Devo ter cometido vários equívocos no transcorrer das histórias, mas a ficção científica torna o impossível no possível, mesmo que cometa alguns erros no processo.
Ok, vamos parar com a ladainha e partir para a história. Espero que curtam a terceira e última parte de "Em Busca do Conhecimento" que começa aqui.
O
COMEÇO NO FIM
Era
o último ano de Joshua na faculdade e, desde o último retorno dele e de Miguel
pelo Interportal, muitas coisas haviam acontecido e a mais significativa era
que ele havia deixado o cargo de estagiário:
-
Desculpe-me professor, eu sei que com isso eu estou lhe deixando na mão, mas
Miguel, meu primo, não se sente bem-vindo até aqui, e para falar a verdade, o
laboratório me traz muitas lembranças de coisas que me aconteceram e nas quais
tenho certeza que não ocorrerão novamente. – Fred fitava Joshua de forma
inexpressiva. – Mas eu ainda quero que o senhor continue a ser meu orientador
na monografia, lógico, pois meu trabalho sobre wormholes não teria
sentido sem a sua orientação.
Fred
já havia percebido a ausência de Miguel, mas não por ele não aparecer mais no
laboratório, fazendo gozações ou brincadeiras das pesquisas, mas sim por suas
atitudes obtusas sempre que encontra ou mesmo esbarra com o professor na
universidade:
-
Eu acho que entendo pelo o que vocês dois estão passando, por isso falo que não
precisa se preocupar com isso. Independentemente de você ser meu estagiário ou
não, Joshua, eu continuarei com a sua orientação, pois John Wheeler[1] é
o nosso grande desafio. – Falou sorrindo para seu aluno.
Fred
mais do que achava que entendia Joshua e Miguel. A reclusão dele, na qual
Miguel tanto reparava tinha um motivo, apesar dele não se abrir, mantendo
somente o envolvimento professor-aluno, Fred já havia vivido também uma
aventura amorosa.
Fred
era jovem quando se apaixonou por uma moça na sua cidade e, por impulso,
terminaram se casando. A ilusão da vida a dois acabou no primeiro mês morando
junto com ela.
Enquanto
ele trabalhava como balconista em uma farmácia, ela só queria saber de sair à
noite, com as amigas, curtir fins-de-semana na praia, como se nada tivesse
mudado. Não demorou muito, por causa das brigas, se separaram.
Com
um pouco de dinheiro que recebeu de um acordo que fizera com o dono da
farmácia, Frederico Bispo – seu nome completo - se mudou para a capital e
iniciou um cursinho para fazer o vestibular. Foram doze anos entre a graduação
e o doutorado, aos quais ele se dedicou com afinco, sem nada que pudesse
intervir.
Quando
Fred conseguiu a vaga para professor na universidade, ele transformou o
laboratório em sua casa, pois aonde ele residia só servia de local para dormir
e tomar banho. Todos os seus livros e suas anotações estavam no laboratório, e
nunca ele confiou em alguém para cuidar de suas coisas, até conhecer Joshua.
Fred
via Joshua como um rapaz com uma sede por conhecimento que não vira em nenhum
outro dos seus alunos em todos os seus seis anos lecionando.
Joshua
havia sido seu primeiro estagiário e conseguia entende-lo como ninguém. Mesmo
quando ficava nervoso e balbuciava, era coerente. Para Fred só existia um
problema com Joshua, o seu primo Miguel.
Miguel
era inconsequente, atrevido, valentão, que por vezes Fred ficou de não permitir
seu acesso ao laboratório, mas seria o mesmo que perder seu melhor aluno, pois
percebia a ligação fraternal de ambos, e mesmo que fosse tudo o que de pior o
professor pudesse achar, sabia que ele faria de tudo pelo primo.
Terminou
que ele se tornou de muita utilidade, pois se não fosse por sua curiosidade, o
Interportal nunca teria sido testado em humanos. Não que Fred tivesse planejado
antecipadamente o uso da máquina, mas, mais cedo ou mais tarde a curiosidade
primitiva de Miguel o faria agir de forma pouco ortodoxa, tornando o
experimento em humanos possível.
O
experimento terminou se saindo melhor do que o esperado, apesar de todo o
sofrimento que causara a Joshua. Quando entrevistou seu aluno, procurou evitar
que ele lembrasse da jovem que ele havia deixado, mas sabia que era impossível,
pois ele mesmo nunca havia esquecido de sua esposa. Na segunda vez, Fred
esperava que seu melhor aluno optasse por voltar à Aiarp, mas decidiram, graças
a sensatez de Joshua, ir para um período aonde a possibilidade de controle era
maior.
Parecia
que Joshua sabia que eles deveriam estar lá, pois o passado de seus avôs e de
seu tio-avô estavam ligados intimamente com a presença de ambos naquela época.
O que não se esperava – Joshua sim – era que Miguel se apaixonaria por sua
tia-avó. Fred soube de uma breve conversa com seu aluno o que ocorrera, pois,
depois disso, nada foi igual.
Fred
tentou mudar a situação várias vezes, mas o afastamento de Miguel foi
instantâneo, não demonstrando mais nenhum interesse pelo laboratório ou pelos
experimentos com o Interportal.
Joshua,
como era muito ligado ao primo, terminou se afastando também, aos poucos. Mas
como era seu aluno mais aplicado e mais empenhado, Fred buscou de todas as
formas mantê-lo como seu estagiário, mas foi em vão.
Durante
alguns meses ficou a incerteza quanto à orientação da monografia de Joshua, mas
então lhe chegou a proposta, o que lhe deu um certo alívio. Marcaram as datas
dos encontros, mas quando eles aconteciam, Joshua parecia distante. Então, em
seu tempo livre Fred trabalhava uma forma de ter seu melhor aluno de volta,
trabalhando com ele.
Fred
passava madrugadas acordado, buscando informações que pudessem elucidar a
conexão entre dimensões, tentando compreender como manter o fluxo paralelo.
Buscou
os estudos sobre a Teoria das Cordas, Espaços Pandimensionais, Fluxo Temporal e
Relatividade, com o objetivo de conseguir informações que o pudesse guiar por
um caminho correto para levar Joshua ao momento certo em Aiarp, para
reencontrar Alicsirp observando Aul e as salertse em Uéc.
Ao
fim de coeficientes, cálculos complexos, Fred acreditou ter achado o denominador
comum que poderia levar Joshua à Aiarp. Usou seu computador novamente com
objetivo de controlar a viagem e jogou nele seus cálculos. Não tinha certeza se
daria certo e por isso ficou receoso de contar para Joshua na reunião que
tiveram após a descoberta. E o seu receio fez com ele retornasse a fase de
testes, iniciando com objetos inanimados até partir para algo com vida.
Como
muitos, Fred era um amante dos animais da universidade. Há algum tempo havia
adotado um dos cachorros que circulavam por ali. Antes de adotá-lo, Fred sempre
deixava um prato de comida e outro de água, em frente ao laboratório para o
animal. Mas quando uma ONG de proteção de animais chegou na universidade para
recolher os cães e gatos, para dá-los a novos lares, Fred tomou o cachorro nos
braços e se prontificou a cuidar dele. Então um dos voluntários o orientou a
procurar uma clínica veterinária para cuidar de doenças, dar um banho e
vermifugar o animal, e foi o que Fred fez antes de leva-lo para casa.
Deu-lhe
o nome de Wheels[2].
Ele era o principal motivo de Fred ainda ir à residência que se encontrava suas
roupas, pois não podia manter Wheels no laboratório, já que era proibido manter
animais que não fossem cobaias lá dentro. E como não era a favor de usar
animais para pesquisa, o laboratório dele não possuía nenhuma cobaia.
Com
o tempo que vinha passando no laboratório, em cima das pesquisas com o
Interportal, Fred recorreu a Joshua para que fosse ao seu apartamento para
alimentar e passear com Wheels, e este lhe questionou:
-
Professor, não tenho nada contra ir ao seu apartamento e passear com Wheels,
mas o senhor precisa sair um pouco do laboratório. Precisa visitar seu
cachorro.
-
Eu não posso no momento. – Respondeu Fred. – Estou concluindo algo muito
importante, faça isso para mim, como um último favor.
Joshua
ficou preocupado e lhe foi sincero:
-
Professor Fred, não tenho nada contra o senhor. Eu e Miguel fizemos as viagens,
pois desejávamos ir. Nunca fomos forçados ou ludibriados pelo senhor a fazer
nada. Nem eu e nem Miguel achamos isso, só que o laboratório nos traz muitas
lembranças que precisamos esquecer. Lógico que eu farei este favor para o
senhor e irei no seu apartamento para dar comida, água e passear com o Wheels,
mas por que tem ficado até tão tarde no laboratório? – Fred sabia que a
pergunta era inevitável e já com a resposta na ponta da língua, disse:
-
É uma pesquisa que estou fazendo que precisa de minha total atenção. Não posso
falar mais nada, mas em breve você verá. – Finalizou, deixando Joshua com uma
pulga atrás da orelha.
-
Espero que não tenha relação com o Interportal. – Retrucou. – Apesar de ser um
objeto fantástico, ele pode ser um problema muito sério também. – Fez uma pausa
antes de continuar e falou. – Eu não sei por que o senhor ainda não o apresentou
à comunidade científica. É uma das maiores descobertas e foi feita em um
simples laboratório de uma universidade federal sem amplos recursos.
-
Como eu lhe contei uma vez, sonho com uma máquina do tempo desde que li Wells
na minha juventude. Hoje o Interportal é minha maior realização e divulga-lo
para a comunidade científica seria inicialmente motivo de piadas, chacotas e
difamação. Depois, alguns começariam a acreditar, e questionariam como eu fiz,
até que viessem a tentar roubá-lo, ou então espionar-me, até por fim,
intencionarem destruí-lo. Eu poderia torna-lo um peso de papel – apesar do
tamanho dele –, mas nunca permitiria sua destruição. E, sinceramente, não sei
se seria forte o bastante para aguentar os escárnios dos meus colegas. – E com
isso encerrou a conversa. Fred retirou a chave de seu apartamento e entregou a
Joshua, que comunicou:
-
Hoje mesmo eu passo lá. – Se levantou e estendeu a mão para Fred, para
cumprimenta-lo. – Quando será nosso próximo encontro?
-
Bem, te passei material o suficiente agora, então vamos marcar para daqui a
três meses, que aí você já me traz o trabalho finalizado, que tal?
Joshua
tomou um grande susto com a proposta de Fred:
-
Mas como assim? Daqui há três meses é um tempo longo demais e, mesmo tendo
material o suficiente, ainda haverá a necessidade de seu conhecimento acerca de
certos pontos que poderão ser para mim complexos e posso terminar divergindo de
minhas ideias quanto ao material... – Fred percebeu que Joshua começar a
divagar.
-
Acalme-se Joshua, não fique nervoso. Nossas conversas têm demonstrado que você
vem seguindo pelo caminho certo, agora só lhe falta escrever e aplicar os
cálculos. Acredite quando digo que não faria isso se não tivesse total certeza
que você está pronto. Terei de me ausentar por um tempo da universidade, devido
a minha pesquisa, mas coloquei uma pessoa no meu lugar em que eu confio. Ele é
um dos meus orientados em doutorado e adora Wheeler, como você. Ele estará
ministrando minhas aulas e se você precisar poderá te ajudar também, já o
deixei a par do seu trabalho.
-
Professor Fred, o que pretende fazer? – Questionou Joshua de forma apreensiva e
desconfiada, e não entendendo a preocupação, Fred disse:
-
Como assim? Qual o motivo de seu questionamento?
-
Professor, como bem sabe o Interportal é instável. Apesar de ter um certo
controle do espaço-tempo com os acontecimentos nesta dimensão, qualquer
tentativa de enviá-lo para uma outra poderia ocasionar em uma quebra, sem
padrão exato de tempo onde desembarcar. – Ponderou Joshua. Fred fez ares de
ofendido, mas se impressionou com a dedução de seu pupilo:
-
Ainda falando sobre o Interportal? De onde tirou a ideia que eu vou usar ele
para ir a algum lugar?
-
Posso estar muito preocupado com minha monografia, mas ainda consigo reconhecer
a fórmula de Laplace[3]
no quadro branco quando a vejo. – Pontuou Joshua, apontado para o quadro que
continha uma fórmula bem complexa. – Já discutimos e debatemos que é
praticamente impossível ter certeza plena do tempo em que se pode parar.
-
Não vou mentir dizendo que desisti disso, pois acredito que deva haver uma
possibilidade, mesmo que remota, de encontrar o momento exato em que você e
Miguel saíram de Aiarp. Foi então que pensei na Inversão do Tempo. – Fred tomou
uma caneta na mão e foi em direção ao quadro.
-
Pensamos no Tempo como algo linear e correto, enquanto em Aiarp seria inverso
ao nosso, mas não no sentido de regressão temporal, mas sim de negatividade, de
anterior ao ponto zero. – Mostrou no esquema que desenhara. – Este ponto seria
o de encontro entre os dois planetas, como se eles colidissem, caso fizessem
parte da mesma dimensão, mas com rotações em sentidos diferentes.
-
Isso poderia ser certo, – alegou Joshua. – Como poderia ser totalmente errado.
Professor, mesmo com o uso da Teoria da Impossibilidade de Arrow[4],
as possibilidades de certezas são remotas, podendo enviar o viajante para outra
dimensão, um outro tempo ou até mesmo os fins do Tempo de alguma dimensão ou da
nossa própria. Não somos o Superman e nem Benjamin Bottom para conseguir correr
o tempo ao contrário, pois seria remotamente inconcebível.
-
Joshua, acalme-se. – Amainou Fred, receoso de que seu aluno voltasse a divagar.
– Eu falei de uma possibilidade, mesmo que remota. Acredite, não pretendo
enviar mais ninguém pelo Interportal. Mas pretendo fazer uma viagem de
conhecimento. Eu pretendo – aumentou o tom da própria voz ao perceber que
Joshua pretendia interrompê-lo. – me afastar um pouco do laboratório, só isso.
– E sorriu para o seu discípulo.
O
que Fred não tinha ideia, pois preferiu que Joshua não se aprofundasse no que
havia descoberto em Aiarp, é que seu aluno buscava adiar o inevitável. Fred
iria para Aiarp, se tornaria Ocirederf, seria mentor de Alicsirp e nem Joshua e
nem Miguel nunca mais o veriam.
Fred
não podia mentir para si mesmo dizendo que não estava preocupado com tudo que
Joshua havia dito, mas ele tinha certeza de que seus cálculos estavam corretos.
No
dia após a conversa com Joshua, decidiu tomar um café da manhã mais leve, pois
lembrava dos relatos dele e de Miguel a respeito de refluxos estomacais após o
transporte pelo Interportal ser finalizado. Joshua acreditava que tinha haver
como o ponto de repuxo da máquina, que era o umbigo. Não importava a altura do
sujeito, o ponto era sempre o mesmo.
Deixou
comida e água para Wheels e escreveu uma carta de recomendações para Joshua e
Miguel, pois sabia que terminariam ambos indo ao seu apartamento.
Ao
chegar ao laboratório Fred escreveu outra carta, desta vez destinada a Roney,
seu substituto, orientando-o como proceder em sala de aula e na orientação da
monografia de Joshua. Depois passeou pelo laboratório até chegar a sua sala.
Apagou a fórmula do quadro branco e foi ao computador, para programar um religamento
de mês a mês, permanecendo assim por doze horas. Quando designou o ligamento,
um brilho prismático surgiu de um dos lados do Interportal, enquanto o outro
lado tinha uma luz branca fraca.
Fred respirou fundo,
preparando-se para o que viria em seguida, e colocou-se em frente ao
Interportal, sentindo a puxada central do ponto umbilical. Seu corpo parecia
que estava sendo dobrado no meio e os órgãos internos pareciam ser tirados para
fora de seu corpo. Uma luz envolveu-o e ele sentiu-se viajando em uma velocidade
estupenda, até que tudo apagou.
[1] Físico estadunidense que criou a
expressão “buraco negro”.
[2] Rodas, em inglês, mas o
verdadeiro objetivo era brincar com o nome de H.G. Wells, autor de A Viagem no
Tempo, A Guerra dos Mundos, entre outras grandes obras de ficção.
[3] Pierre-Simon, marquês de Laplace
(1749-1827) foi um astrônomo e matemático francês que ficou conhecido como
“Newton francês”, trabalhando a matemática astronômica, cosmologia e várias
outras teorias, sendo a Transformada de Laplace uma teoria que analisa sistemas
dinâmicos lineares.
[4] Kenneth Joseph Arrow (1921-2017)
foi um economista estadunidense que criou a Teoria da Impossibilidade, dizia “que a soma das racionalidades individuais
não produz uma racionalidade coletiva”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário