terça-feira, 2 de março de 2021

O Pastor

 Durante anos eu fui um leitor ferrenho de romances de ficção e um desses foi O Alquimista, de Paulo Coelho.

Eu era um assíduo leitor de Paulo Coelho, que comecei a ler graças a minha amiga Daniella Navarro, mas deixei de lado tem ano. Só que, a influência de O Alquimista foi grande na minha vida. Então, determinado dia, decidi escrever o conto que vocês lerão abaixo (com algumas modificações, pois eu reescrevi ele). Boa leitura!

O Pastor


Um jovem pastor sempre conduzia suas ovelhas do campo para a cidade mais próxima, onde ele tosquiava e vendia a lã delas. Isso garantia sua sobrevivência por uma longa parte de seu ano, até a próxima safra. Na cidade, ele já se supria de mantimentos para sobreviver ao inverno. No mercado, sempre quem lhe atendia era a filha do dono. Uma jovem de beleza contagiante e um sorriso de despertar o coração do mais frio guerreiro. Ela sempre o tratava com afago e carinho, sempre lhe perguntando como estavam os anhos e se o seu rebanho tinha dado lá o suficiente para seu sustento.

A preocupação da jovem parecia tão legítima, que o jovem pastor estava encantado com ela. O senhor que tosquiava suas ovelhas e carneiros era seu único conhecido na cidade. Ele não o chamava de amigo, pois não tinha um laço mais próximo com aquele homem, mas era com quem conversava enquanto ele trabalhava. Sempre perguntava ao senhor se ele conhecia algum pretendente para a jovem filha do dono do mercado, e a resposta era sempre a mesmo, não, pois os homens ficavam surpresos e perplexos com a jovem, devido sua capacidade de articular e isso os intimidava.

O jovem pastor não se sentia intimidado, mas era tímido demais para abordá-la.

Certa vez, enquanto desfrutava de um pouco de schrobbeler[1] e uma fatia de pão com queijo de cabra e um pedaço de salame, na praça da cidade, enquanto esperava o tosquiar de suas ovelhas e carneiros, o jovem pastor desfrutava da leitura de um livro que ele sempre carregara com ele. Já o havia lido inúmeras vezes àquele livro, mas era sua única distração durante o pastoreio, nas noites do campo em que passava. Ao seu lado estava seu fiel amigo, um pastor holandês, que sempre o acompanhava e cuidava das ovelhas e carneiros, enquanto ele descansava. Então ouviu uma voz doce questioná-lo sobre o nome do animal. Ele levantou a cabeça do livro e viu o admirável e maravilhoso semblante da filha do dono do mercado. Aos raios do sol tardio, ela era ainda mais admirável. Sua pele alva, brilhava à luz do sol. Seus olhos pareciam duas pedras de topázio azul das mais lindas e seus cabelos negros reluziam de forma hipnotizante e, quando ela os mexia, exalava o mais inebriante odor de tulipas na primavera. Ela se sentou ao seu lado e antes que pudesse dizer o nome do seu companheiro, ela perguntou o que ele lia, então ele lhe permitiu que ela visse o título do livro. Mesmo com a capa desgastada do tempo, ela viu e se admirou, pois já havia lido àquele livro. Ela então falou de outros livros que lera, pois seu pai lhe dava tal liberdade, coisa que outras moças não tinham.

Como mercador, seu pai tinha de viajar as outras cidades e negociar com as pessoas as mercadorias para vender e ele sempre trazia um livro para ela, o que a fazia ter um conhecimento amplo sobre várias coisas. Ele já tinha lido desde romances de ficção até livros mais didáticos. O jovem pastor não entendia nada do que ela dizia, mas estava admirado demais para dizer que era leigo nos assuntos que ela tanto proferia. Só pensava em se casar com ela e criar uma família.

O fim da tarde chegava e a jovem então se despediu dele, beijando sua face de forma graciosa. O rapaz estava interessadíssimo nela e, quando voltou ao seu conhecido para pegar o dinheiro da lã, este disse que observou aos dois. Falou que ele tinha sido o primeiro a dar total atenção à jovem, pois nenhum outro ousara algo assim. O jovem pastor não sabia o que dizer, então pegou o dinheiro, alugou um quarto para passar à noite e, após as compras, partiria cedo.

No outro dia, foi ao mercado, mas, pela primeira vez, quem o atendeu foi o dono do mercado, pois a jovem ainda repousava. Comprou seus mantimentos, alugou uma carroça para levar as compras e partiu. Não esperava a hora de poder voltar para a cidade, pois pretendia propor algo à jovem.

O ano passou. Como o jovem pastor era sozinho e a maior parte do seu suprimento era alimento que perdurava doze meses, além da ração para seus caprinos e comida para seu cachorro, ele não precisava retornar à cidade. Quando chegou a época do tosquiar de suas ovelhas e carneiros, o rapaz então, ansioso, voltou à cidade, mas algo estava diferente, pois as ruas estavam vazias. Quando chegou no local para tosquiar suas ovelhas e carneiros, o seu conhecido também não estava lá. Como tinha liberdade para poder deixar seus caprinos em um cercado, ele o fez e se dirigiu ao centro da cidade, onde uma grande aglomeração estava saindo da igreja local, pois um casamento estava ocorrendo ali. Ao chegar mais, perto pensando que aquele seria o local ideal para dizer à jovem filha do dono do mercado o que sentia, ele a viu saindo da igreja, de vestido de noiva, com um homem bem-apessoado ao lado. Era um homem mais alto do que ela, com a pele bronzeada, forte e com aparente vigor. Ouviu comentários que diziam que a moça dera sorte, pois casara-se com o filho de um grande fazendeiro, que tinha uma grande produção de leite e vendia para fora do país, até. Mas o jovem não se importava com aquilo, somente olhou para o sorriso no rosto dela e o sorriso no rosto dele e pensou que ali poderia estar ele.

Amoado e triste, o jovem pastor foi para a praça central e testemunhou, a distância, a jovem saindo com seu esposo em uma carroça com uma comitiva logo atrás, indo à festa que estava planejada. Sabia que não teria como sair dali naquele dia, pois precisava do dinheiro do aparo de suas ovelhas e carneiros para passar mais um ano. Sentou no banco da praça e ficou ali, remoendo seus sentimentos, somente tendo seu cachorro como companhia. Pensou até em alugar um quarto para ficar distante daquilo tudo, mas pensou que a dona da pousada também deveria estar naquela comitiva para a festa. Então, de repente, ouviu uma voz que lhe perguntou por que não participava dos festejos do casamento.

A jovem, que estava à sua frente, também tinha a pele bem bronzeada, os cabelos eram cachos amorenados que caíam sobre seus ombros. Suas vestes eram diferentes das vestes que estava acostumado a ver das jovens que ali perambulavam. Ela se sentou ao seu lado e voltou a questioná-lo, então ele lhe disse que não havia motivos para festejar, pois a jovem que se casava era a mulher com quem ele pretendia se casar. Então a jovem lhe questionou se ela sabia disso, e ele disse que não. Aquela conversa o estava aborrecendo, pois desejava ficar ali, com sua própria raiva. A moça então lhe disse que ela também não tinha motivos para comemoração, pois o rapaz era um prometido dela. Eles haviam jurado que um dia se casariam, mas quando o pai dele enriqueceu com as vendas de leite das vacas que tinha, esqueceu dela. Há cinco meses ele havia conhecido a filha do dono do mercado e ambos iniciaram algo que terminou naquele casamento.

A jovem lhe contou que a família dela tinha carneiros e ovelhas, mas não prosperava como a família do homem que se casava naquele dia. Então o jovem pastor também disse que tinha ovelhas e carneiros e estava na cidade para poder tosquiá-las. Então uma conversa se iniciou entre ambos que perceberam ser muito parecidos entre si. Quando sentiu vontade de comer, o rapaz tirou seu pão com queijo e salame, oferecendo um pedaço à jovem, além de um cálice de licor adocicado, e ambos apreciaram juntos e continuaram a conversa.

O final da tarde chegou e o jovem pastor achou que passou muito rápido. Viu que as pessoas já retornavam para suas casas e, antes de se despedir, pediu à jovem que o encontrasse no outro dia, ali na praça. Ela não entendeu a proposta, mas aceitou o convite.

No dia seguinte, a jovem o encontrou, como combinado, e então ele lhe explicou que sua vida era complicada, pois ele morava distante e somente voltava uma vez ao ano para a cidade, mas que queria conhece-la melhor. Então pediu que ela o esperasse, pois ele gostara muito dela e não queria perde-la. Os olhos esverdeados da jovem pareciam duas jades brilhantes e ela disse que sentia o mesmo por ele e que sim, o esperaria. Então ela o beijou suavemente no rosto e partiu. Agora o jovem pastor tinha que ir até o seu conhecido para o tosquiar de suas ovelhas e carneiros. Lá ele perguntou sobre a família da moça que conhecera e o homem explicou que eles eram pessoas humildes, mas lutadoras e batalhadoras, como ele. O homem viu um brilho nos olhos de esmeraldas do rapaz e sabia que ali era nutrido uma esperança. Depois de pagá-lo, o jovem foi ao mercado e o dono lhe atendeu, fez suas compras e partiu, esperançoso que no próximo ano teria sua futura noiva à espera.


[1]  Schrobbeler - licor condimentado holandês adocicado e herbário. Tem gosto de alcaçuz como um aviso para aqueles que não gostam desse sabor.


sábado, 27 de fevereiro de 2021

A Pequena Tigresa


Baagh[1] se sentia extremamente valente e amava explorar os arredores do local que sua genitora, Maan[2], construíra para ela e seus irmãos. Quando não brincava com eles, enquanto sua mãe saía para a caça, ela decidia explorar o ambiente. Seu objetivo era ser tão feroz e destemida quanto sua mãe.

Um dia, enquanto sua genitora caçava, Baagh viu, à distância, uma toca estranha e maior do que a dela, então decidiu se aproximar. Desde que sua genitora lhe permitiu sair da toca, Baagh já viu de todos os tipos de seres, mas, em geral, eles andavam como ela. O ser acinzentado, sentado na relva perto daquela enorme toca, além de não se apoiar com todos os membros, tinha uma lanugem somente no topo da cabeça e era bem pouca. Além do que, parecia bem menor do que ela. “Será que era por estar sentando?”, pensou Baagh, “E que jeito estranho de sentar”. Mas, enquanto pensava nisso, o ser estranho pareceu vê-la e, em uma linguagem estranha, chamou Baagh.

Baagh era corajosa, mas aprendera a ser precavida. Sua genitora sempre lhe disse para não se aproximar de outros seres, pois eles poderiam ser capazes de machucá-la, já que era jovem demais. Então, de forma furtiva, ela se aproximou do ser de poucos pelos. Seu cheiro era suave e o tom cinza de sua pele era diferente dos outros. Aquele ser passou as mãos em seus pelos e ela se sentia acariciada, mas de forma macia. Não era como a língua de sua mãe, quando esta lhe banhava, mas sim algo suave e delicado. Então Baagh decidiu retribuir, mas como não sabia articular com os membros frontais, igual àquele ser, decidiu fazer como sua mãe, que sempre lhe falou que uma lambida era uma forma de carinho. O sabor daquele ser era adocicado, algo que Baagh nunca experimentara antes. Quando ela terminou de lambê-lo, ouviu um grito estridente vindo dele. Ela viu que arranhou a pele daquele ser débil com sua língua. Surgiu um outro ser, saindo da grande toca, o que assustou Baagh que correu para o interior da floresta. Ela retornou para sua toca, mas preferiu não falar nada para os outros ou para sua genitora.

Dias se passaram e Baagh e seus irmãos aproveitavam o tempo livre para aprender práticas com sua mãe, além de tentar descobrir quem seria o dominador daquela tribo. Ela sempre vencia. Quanto àquela toca gigante e os seres que lá viviam? Baagh preferiu esquecê-los. Mas eles não tinham esquecido dela.

Em determinado dia, enquanto Baagh, seus irmãos e sua genitora descansavam no interior da toca, um cheiro estranho permeou o ar. Quando despertaram, parecia que Gagan[3] havia decido ao chão. Uma grande escuridão, em pleno dia, tomara a entrada da toca e sua genitora gritou para que eles corressem para fora. Então ouviu-se os estrondos. Parecia Garjan[4] rugindo com Gagan, depois de Bijalee[5] iluminar os céus, antes de Varsha[6] empapar seu corpo, mas eram mais contínuos e repetitivos. Maan, a genitora, percebeu que eles estavam cercados por algo tão iluminado quanto Bijalee e que emitia um ardor que Baagh nunca sentira antes. Mesmo com toda luminosidade, Baagh reconheceu os seres altos que lembravam o pequeno que ela encontrara. Eles apontavam, para sua genitora, objetos finos. Ela ouviu sua genitora suplicando a eles para que se afastassem e a deixassem fugir com Baagh e seus irmãos. Baagh também tentou dizer a eles que ela não havia feito por mal, então viu Maan olhar para ela de forma assustada e ela explicou o que ocorrera. Quando Maan se virou para explicar para aqueles seres o que ocorrera, Garjan surgiu daqueles objetos finos e atingiu Maan, que caiu.

Baagh já havia testemunhado o decesso, pois era algo comum matar para se alimentar. Maan sempre trazia seres abatidos para alimentar a ela e seus irmãos, então conhecia o odor que saía de sua genitora. Aquilo a aturdiu, pois não esperava algo assim. Se sentiu culpada com aquilo, mas quando viu estava cercada por aqueles seres que se apoiavam em dois membros. Ela olhou para os irmãos, acuados e temerosos. Eles também sabiam o que acontecera com Maan. Se sentindo valente e desejando proteger seus irmãos, ela avançou nos seres e com suas garras, atingiu um dos membros deles e o viu caindo então, do nada, um objeto pesado atingiu sua cabeça e ela caiu, desmaiada.

Quando Baagh despertou estava no interior de um objeto com um cheiro estranho e ranhoso. Ela passou seu membro frontal nele e o barulho era horrível e a sensação era fria. Viu seus irmãos em outras daquelas coisas, igual a dela. Com o passar dos dias, viu pessoas indo e vindo e observando a ela e seus irmãos. Um tempo depois, um outro grupo daqueles seres surgiu e pareceu brigar com os que lhe haviam capturado, então depois de um tempo ouvindo o grunhido deles, viu ela e os irmãos serem carregados dali. Não demorou muito, aqueles objetos em que estavam foram abertos e eles se viram em um maior e com mais espaço, mas ainda não era a toca deles. Seus irmãos iam e vinham e, quando chegou a vez de Baagh, ela relutou. Temia aqueles seres pelo que haviam feito a sua genitora, não queria mais proximidade deles. Ela tentou arranhar – como fizeram antes – e até morder, mas eles tinham a vantagem de serem maiores e usaram algo semelhante ao objeto que tirou a vida de Maan, mas o barulho fora diferente e ela adormeceu.

Baagh acordou momentos depois, com seus irmãos gritando por ela. Nunca se sentira assim antes. Estava tonta e mal conseguia se apoiar em seus membros. Mas aquilo não durou muito e, em pouco tempo, ela já estava bem, mas sentia uma dor perto de sua cauda. Seus irmãos falaram que sentiam a mesma dor.

O tempo passou devagar e Baagh e seus irmãos cresceram juntos. Os seres que os mantinham ali, lhes davam alimentos, mas Baagh sempre lhes falavam que Maan não toleraria que eles se acomodassem. Alguns terminaram fazendo, mas ela ainda tentava manter sua ferocidade. Sempre que os seres precisavam leva-la, a atingiam com aquele objeto que a fazia dormir.

Um determinado dia, Baagh e seus irmãos viram aquela toca abrir e eles saíram para um ambiente totalmente novo e diferente do que estavam habituados. Alguns de seus irmãos pareciam gostar do contato com os seres em dois membros, mas não Baagh, que preferiu desaparecer naquela selva e nunca mais ter contato com nenhum deles.



[1] Baagh (बाघ) = tigre

[2] Maan (मां) = mãe

[3] Gagan (गगन) = céu

[4] Garjan (गर्जन) = trovão

[5] Bijalee (बिजली) = relâmpago

[6] Varsha (वर्षा) = chuva