segunda-feira, 19 de outubro de 2020

O Porto

 Meus sonhos, minhas inspirações. Mais um conto para vocês - este é bem mais curto -, mas que achei interessante compartilhar. Espero que goste... e comentem!


O PORTO

Ele despertou em uma praça. Não lembrava o próprio nome, mas lembrava que estivera ali com seu filho. Que morava em uma ilha, nas proximidades, que tinha um barco e, ele e seu filho tinham ido para o porto comprar suprimentos... mas não lembrava do próprio nome. Algo estava confuso.

Saiu para procurar pelo filho e foi fazendo os passos que fizera antes. Primeiro, passou no bar que os dois tinham parado para beber e comer algo, mas não encontrou ninguém. Na medida que procurava as pessoas que conhecia, não encontrava ninguém, mas percebeu que o bar estava todo molhado. Saiu do bar e foi até o mercado, onde tinha ido comprar suprimentos. Suas compras ainda estavam no balcão, mas o rapaz que ficava no caixa não estava ali. Andou pelo local, gritando o nome do próprio filho, mas não o localizou. A preocupação começou a assolar sua cabeça. Desesperado, saiu do mercado, pensando, “depois venho pegar os suprimentos”, e foi até o posto policial, para pedir ajuda. Entrou no posto policial e não viu ninguém. “Não pode”, ele pensou, “Sempre tem um policial que possa nos atender”. Andou por todo o local e, como no bar, somente poças de água no chão.

Voltou para as ruas, gritando pelo nome do filho ou mesmo por ajuda. “Por que não lembro do meu nome?”, ele se questionou. Era impressionante, pois aquela era uma vila portuária e as pessoas, à noite, saíam para se divertir, mas não tinha ninguém, como se, do dia para a noite, aquilo se tornara uma cidade fantasma. O que mais o impressionava é que aparentava ter chovido na vila, mas ele não estava molhado. Sua cabeça latejava, “diga seu nome”, ele pensava – ou acreditava que estava pensando. Procurou em cada viela, em cada beco escuro e nada. “Filho, onde está você?”, ele gritou, quando voltou a praça, “Aonde está todo mundo!”. Então ele ouviu uma voz bem baixinha, “pai?”, e perto do chafariz, coberto com o casaco do pai, estava o jovem de 12 anos, “o que aconteceu?”, ele questionou. “Venha, temos de pegar as compras e voltar, sua mãe e suas irmãs devem estar preocupadas”. Os dois se deram as mãos e foram ao mercado. Chegando lá, perceberam poças d’água espalhadas pelo local. “Cadê todo mundo, meu pai?”, questionou o filho. Ele preferiu não responder, pegou o pacote de compras no balcão e saiu, em direção ao porto.

Chegando no pequeno barco, de relance, ele acreditou ver um rosto difuso nas sombras, uma mulher, que lhe sorriu, mas não era um sorrido cordial, ele percebeu algo de maligno. Seguiu com o barco, remando de volta para casa. Ao desembarcar na ilha, sua cabeça começou a latejar fortemente. “Pai, você está bem?”, perguntou o filho. “Pegue as compras e vamos para casa”, ele respondeu. Atracou a pequena embarcação e andaram em direção da própria casa. A cabeça do homem latejava cada vez mais. “O que está acontecendo comigo?”, ele se questionou, “E por que não me recordo do meu nome?”. Pensou em questionar ao filho, mas não queria parecer fraco diante da criança. Ele precisava se mostrar forte, era o homem da família. Ao entrar em casa, gritou por uma saudação, “Mulher, chegamos!”. A esposa veio, com ar de preocupação no semblante. “O que aconteceu com vocês?”, ela perguntou, “Passaram o dia todo fora. Saíram para as compras bem cedo e só retornaram agora. O que houve?”. Ele não quis responder, mas precisava se sentar, pois sua cabeça latejava muito e ele sentia uma tontura surgir. A esposa então disse, “Ezekiel, o que houve?”. “Ezekiel. Este é meu nome” e, então, veio a sua memória o que ocorrera naquele dia.

Conversara com sua esposa, bem cedo, que levaria o menino para fazer as compras dos suprimentos. Ambos pegaram o pequeno barco e ele colocou o filho para remar. “Você precisar criar músculos neste corpo franzino”, ele disse, “já está na idade de poder sair comigo para pescar”. Assim que ensinou o filho a amarrar a embarcação no porto, subiram para a cidade, mas, na beira da escada estava uma mulher maltrapilha. Ela lhe pediu um pouco de comida, mas ele preferiu ignorá-la. “Não dê atenção”, disse ao menino. A mulher lhe agarrou na roupa e ele a rejeitou. Ela novamente segurou na barra de sua calça e ele disse “vá arranjar um marido para sustenta-la. Não tenho e nunca terei nada para ti”, e quando ia retirar a mão dela de sua calça, ela o segurou e seu filho com uma força que ele não esperava que ela tivesse e a ouviu dizer:

- Por não ajudar, se amaldiçoará! Nunca se lembrará até seu nome alguém mencionar, e quando isso ocorrer a pessoa irá se desfazer “. – Repentinamente, ele viu sua esposa se tornando líquido. Roupas, olhos, cabelo, pele. Tudo virou líquido. Ele se desesperou, gritando e, correndo em sua direção, veio seu filho dizendo, “Pai, minhas irmãs. Elas viraram água”. O pescador lembrou o que ocorrera então. Como havia nascido e crescido naquele vilarejo, conhecia a todos e, com isso, aqueles que vinham em seu socorro ou que gritavam seu nome, terminavam se tornando líquido. A bruxa os amaldiçoara. A ele e seu filho, e nada poderiam fazer.



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