Eu fico aqui, pensando e repensando em como vou expressar
minha revolta com o que aconteceu no dia 02/09/2018 ao Museu Nacional do Rio de
Janeiro.
INCÊNDIO NO MUSEU NACIONAL EM 02/09/2018 |
Quando eu recebi a notícia pela primeira vez, através de um
post no Instagram, não quis acreditar, pensei que fosse algo antigo e que
estavam relembrando, como o incêndio do Museu de Arte Moderna em julho de 1978
ou o incêndio no Instituto Butantã em maio de 2010 ou o incêndio no Auditório
Simón Bolívar, no Memorial da América Latina, em novembro de 2013 ou o incêndio
ao Museu da Língua Portuguesa em dezembro de 2015, mas não, era pior, bem
pior... Por quê?
MARIA LEOPOLDINA EM UMA REUNIÃO COM O ESTADO, NA DECISÃO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL, EM 02/09/1922 |
Bem, o Palácio foi criado durante o reinado de D. João VI, servindo
de moradia para sua família, até ele partir com sua esposa e seus filhos para
Portugal, deixando lá seu segundo filho – e seu sucessor ao trono – Pedro de
Alcântara. Em 02 de setembro de 1822, o Palácio serviu de principal local para
o início do que viria a ser a independência do país, pois a princesa regente
interina, Maria Leopoldina assinou o decreto da independência do país. O local
também serviu como palco para a primeira Assembleia Constituinte Republicana do
Brasil, em 1889, dando início a Velha República.
AQUARELA QUE REPRESENTA A ASSINATURA DO PROJETO DA CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA DE 1891 |
Em 1892, o Palácio foi transformado em Museu – o MuseuNacional já existia desde junho de 1818, criado por D. João VI no Campo de
Santana – e em 1938 foi tombado como Patrimônio Histórico pelo IPHAN (Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Dessa forma, podemos ter aí mais
de 200 anos de história desse local. Nele existiam um “acervo de mais de 20
milhões de itens, (destacando-se): a coleção egípcia, que começou a ser
adquirida pelo imperador Dom Pedro I; a coleção de arte e artefatos
Greco-romanos da Imperatriz Teresa Cristina; as coleções de Paleontologia que
incluem o Maxakatisaurus topai, dinossauro proveniente de Minas Gerais; o mais
antigo fóssil humano já encontrado no país, batizada de “Luzia”, (...); (as)
coleções de Etnologia (...) expostos objetos que mostra(vam) a riqueza da
cultura indígena, cultura afro-brasileira, cultura do Pacífico e na Zoologia
destaca(vam)-se a coleção Conchas, Corais, Borboletas, que compreende o campo
de invertebrados em geral e, em especial, dos insetos”.
MUSEU NACIONAL - VISÃO AÉREA |
Não estou tentando minimizar as outras perdas que, como o
Museu Nacional, prejudicam a memória e a cultura de nosso país, mas
diferentemente dos outros, são 200 anos de história que foram destruídos. Tá,
alguns dirão que nem tudo foi destruído, pois a Biblioteca Central não foi
atingida pelo fogo e, possivelmente, o que estava no subsolo sobreviveu ao
incêndio. Mas isso corresponde a, somente, 10% dos itens que estavam no
Palácio.
Sem contar que as denúncias não vêm de hoje.
"MEMÓRIA EM CINZAS", MINIDOCUMENTÁRIO DA GLOBONEWS SOBRE O INCÊNDIO DO MUSEU NACIONAL |
No minidocumentário do Globo News, “Memória em Cinzas”, no
dia 03/09/2018, foi mostrado que várias foram as matérias a respeito das
condições do Museu Nacional. Então as palavras “acaloradas” do ministro Carlos
Marun de que “Agora tem muita viúva chorando. Não tenho visto ultimamente
alguém destacando a história do museu para torná-lo mais amado. Está aparecendo
muita viúva apaixonada, mas essas viúvas não amavam tanto assim o museu”, não
tem verdades. Falta ao ministro uma melhor fonte de informações ou, talvez,
assistir mais telejornal.
Também, lembrado pelo The Guardian, em 03/09/2018, “[...] os governos são os culpados por não
apoiar o museu e deixá-lo cair em desuso. No seu 200º aniversário em
junho, nenhum ministro do Estado apareceu”, ou seja, o descaso sempre foi claro
e o desinteresse, também.
Daí surgiram as
matérias falando sobre de quem é a culpa? E, sinceramente, não tem como redimir
ninguém, mas vale lembrar que os repasses que o governo federal do Brasil faz
para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), responsável pela
manutenção do Museu Nacional, está ligado a várias coisas.
A UFRJ é responsável
pelo salário de vários professores e profissionais que trabalham em seu campus.
Esses professores têm reajuste anuais como todos profissionais. Mesmo que
serviços sejam terceirizados, há necessidade de pagar as empresas para que os
serviços sejam mantidos. Em matéria publicada em 04/07/2017, referente ao
Orçamento daquele ano, foi falado sobre uma redução no percentual em 6,7%, e
ainda que “O MEC já bloqueou
parte do orçamento e informou que poderá haver contingenciamento de 10% a 15%
de custeio, 15% a 20% de receitas próprias das universidades e de 30% a 40% de
capital. Se confirmado, a UFRJ perderá o equivalente a dois meses de suas
contas. É importante lembrar que em 2016 muitas contas somente foram pagas até
o mês de setembro, deslocando o pagamento das despesas não pagas para o
orçamento de 2017”. Então, mesmo que ele tenha recebido a mais no ano de 2017,
devido aos reajuste determinado pela PEC 55/16 (Institui o Novo Regime
Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, que
vigorará por 20 exercícios financeiros, existindo limites individualizados para
as despesas primárias de cada um dos três Poderes, do Ministério Público da União
e da Defensoria Pública da União; sendo que cada um dos limites equivalerá: I -
para o exercício de 2017, à despesa primária paga no exercício de 2016,
incluídos os restos a pagar pagos e demais operações que afetam o resultado
primário, corrigida em 7,2% e II - para os exercícios posteriores, ao valor do
limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação
do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA. Determina que não se
incluem na base de cálculo e nos limites estabelecidos: I - transferências
constitucionais; II - créditos extraordinários III - despesas não recorrentes
da Justiça Eleitoral com a realização de eleições; e IV - despesas com aumento
de capital de empresas estatais não dependentes.), o valor não foi o suficiente para todos os gastos da
universidade. Isso já foi uma determinação do governo Temer, que hoje busca
jogar toda a responsabilidade – que também não deve ser reduzida – para o
governo da ex-presidente Dilma Rousseff.
A ex-presidente,
também, fez indiferença com os patrimônios públicos do nosso país, pois como
mostra a reportagem do “Hoje em Dia” de 02/05/2016, a presidente destinara aos
eventos da Copa do Mundo (2014) e Olimpíadas (2016) um valor de R$ 39,5 bilhões
para os gastos de infraestrutura do país para receber as delegações de outros
países.
“Somados, os custos para a realização da
Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016 são de aproximadamente R$ 66
bilhões. Desse montante, mais da metade (R$ 39,5 bilhões) saíram dos cofres
públicos. No entanto, na avaliação de especialistas, os investimentos
bilionários para os megaeventos esportivos não trazem ganhos significativos
para o desenvolvimento do país.
“Se comparado a
outras demandas atuais, o dinheiro gasto na Copa e na Olimpíada seria
suficiente para cobrir duas vezes o valor que o governo pretende arrecadar em
2017 com a volta da CPMF, cerca de R$ 33,2 bilhões por ano. A mesma quantia
poderia suprir, ainda, o déficit no orçamento da União em 2016, que será de R$
60,2 bilhões, segundo o Ministério da Fazenda”.
Sim, fomos o
país da Copa. Sim, fomos o país das Olimpíadas. Mas e aí? Com todo esse valor
gasto, as quedas orçamentárias foram sentidas e sempre prejudicaram o nosso
patrimônio, pois apesar de termos sido país disso ou daquilo, isso passa, mas
nossa memória não (pelo menos, não deveria).
Mas as
reivindicações não vêm de hoje. Como dito acima, no minidocumentário da Globo
News, ´”Memória em Cinzas”, mostraram anos de descaso com o Museu Nacional do
Rio de Janeiro. O Palácio teve goteiras, infiltração, cupins e – quase – todo o
acervo da Biblioteca precisou ser transferido para outro prédio por falta de
condições de abrigar obras como os Pergaminhos de Ivriim, uma coleção de nove
rolos da Torá, compilados em hebraico, comprados por D. Pedro II em 1877. Foram
anos e anos de diretores, vice-diretores e diretores adjuntos exigindo
providências do Estado para melhorias do espaço. Por consciência e ciência de
que alguns produtos se deterioram por causa de micro-organismos, os
trabalhadores e pesquisadores que constantemente estavam no Museu Nacional,
precisaram fazer uma vaquinha para contratar uma empresa para fazer a limpeza
do local. As múmias e seus sarcófagos, que precisavam de ambiente próprio para serem
conservadas, estavam em decomposição. PENSEM! Essas múmias sobreviveram às
intempéries de milhões de anos, para começar a se deteriorar em um museu, em um
local onde deveriam ser admiradas e estudadas em ambientes próprios para sua
conservação.
DR. LEANDRO KARNAL |
O Dr. Leandro Karnal,
historiador de renome, com várias obras escritas e dedicadas a história da
humanidade, que atualmente atua como professor da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) na área de História das Américas, deu uma entrevista ao
BandNewsFM, no dia 03/09/2018, onde falou que “Era uma anacrônica de uma morte
imediata. (...) Não apenas queimamos um patrimônio inestimável, mas também era
um prédio histórico. (...) Tudo se perdeu por descaso ao patrimônio nacional. (...)
A perda da memória é irreparável. Não é como uma crise econômica, que em 10 ou
20 anos a gente pode recuperar, não é como repor emprego, que é um problema
grave no nosso país; estamos falando da perda de peças que nunca mais poderão
ser colocadas lá. (...) Quantos mais terão de se incendiar para que alguém tome
uma providência. (...) O que se perde não pode ser reposto”. E foi mais a
fundo, falando sobre como nossos governos, desde o final da década de 1970, vem
tratando nossa cultura. “A Cultura recebeu cortes. (...) Existe um projeto de
desmontar a memória brasileira. Um projeto para desmontar aquilo que pode olhar
criticamente (...) uma série de estratégias para a destruição do patrimônio
histórico brasileiro”.
Sabemos disso
tudo que o nobre historiador falou, mas o que fazemos? NADA. A mentalidade do
brasileiro sempre foi a seguinte: “Está ali, que bom, mas é velho, para que
preservar algo que é velho?”, “Deveriam demolir essas coisas velhas e construir
algo mais moderno”. “Por que não digitalizaram tudo. Se tivessem digitalizado,
nada teria se perdido”. E assim vai.
A pesquisa, o
desenvolvimento de novas descobertas, de novos aprendizados, sempre se perde
quando espaços dedicados a eles são incendiados, alagados, depredados,
abandonados.
Desde 1978, o Museu
Nacional vinha requerendo assistência e um melhor apoio do Governo Federal. Nas
reportagens abordadas em “Memória em Chamas”, temos reivindicações desde o
final da década de 1970 até mais recentemente, em maio de 2018, quando foi
necessário remover a ossada do maior bicho-preguiça já encontrado, pois estavam
com problemas de cupins, algo antigo, que o museu vinha combatendo com uma
empresa terceirizada, contratada. Mas a empresa parou de prestar serviços por falta
de dinheiro.
O que ocorreu,
acontecerá novamente, pois mesmo que o atual presidente ou um dos candidatos as
eleições que poderão assumir, prometam algo, eles não farão muito.
No momento, as
mídias estão falando sobre o assunto, então uma abordagem mais ampla está sendo
dada. Os presidenciáveis demonstraram seus lamentos quanto a perda (com exceção
de alguns que não se pronunciaram), como mostra no Correio Braziliense. Mas
até quando ficaremos somente no lamento e uma atitude será tomada? Retomando as
falas do Dr. Karnal, também acredito na existência de um projeto de desmontar,
destruir a memória nacional, pois assim as pessoas tendem a crer no que um
político expressa, enganando-se e não reconhecendo seu passado. Então as falas
dos políticos sempre serão a mesma, de pesar, de acusações dos seus
predecessores. Mas será que eles farão mesmo algo?
MUSEU DO IPIRANGA |
Em 2022, o
Brasil completará 200 anos de Independência do Brasil, mas o patrimônio ligado
à independência do nosso país, o Museu do Ipiranga (também conhecido como Museu
da Independência), encontra-se de portas fechadas desde 2013, devido a
infiltrações e risco de queda do teto e, ainda em 2018, cinco anos após seu
fechamento, nada foi feito. Havia uma previsão de começo das obras nesse
segundo semestre deste ano, mas agora foi transferido para 2019. A Universidade
de São Paulo (USP) buscará captar os recursos, orçados entre R$ 80 e 100
milhões, na iniciativa privada, pois não conseguirá com o governo o necessário
para que poder reabrir o museu a tempo do jubileu. O mesmo governo que vem
acusando a UFRJ de culpa pela negligência com o Museu Nacional.
Sabe qual é a
nossa sorte? Mesmo que não tenhamos nosso governo se importando em auxiliar
nosso patrimônio – ah sim, do nada surgiram R$ 10 milhões de um fundo
emergencial para ajudar na reconstrução do Museu Nacional –, outros países se importam.
Logo após ter
ciência do incêndio, o presidente de Portugal apareceu diante das câmeras declarando
apoiar e auxiliar o Brasil no que ele precisar. Interessante isso, pois o atual
presidente do Brasil, Michel Temer, se esconde atrás dos ministros da Cultura e
da Educação, deixando-os determinar o que fazer pelo bem do Museu Nacional,
enquanto o governante de outro país não poupa esforços para ele mesmo aparecer
diante das câmeras e falar no auxílio ao nosso país, pois dividimos algo
semelhante, tivemos o mesmo rei, D. João VI. Aquele que nos deu a
independência, que foi nosso primeiro imperador, depois se tornou rei para
eles, D. Pedro IV (para nós D. Pedro I). O herdeiro deste foi nosso imperador,
D. Pedro II, até que ele teve de abdicar do trono para que nascesse nossa República.
E, sinceramente, esse é o comportamento de um governante que se importa com o
patrimônio cultural da humanidade.
No dia
06/09/2018, O G1 publicou que o Ministério do Exterior da Alemanha pretende
auxiliar a reforma do Museu Nacional com uma verba emergencial de € 1 milhão
(algo em torno de R$ 4,8 milhões).
“[...] o
Ministério alemão do Exterior informou que coordenará esforços nacionais para
fornecer apoio à limpeza e recuperação do Museu Nacional no Rio de Janeiro, (...).
A secretária de Cultura do
Ministério do Exterior alemão, Michelle Müntefering, se reunirá com autoridades
do governo, estados e da sociedade civil para discutir a ajuda emergencial.
Segundo Müntefering,
especialistas alemães participarão de uma missão
da Unesco no Museu Nacional no Rio, na tentativa de recuperar itens
que podem ter sido poupados pelas chamas”.
Tá, passamos por
uma crise tremenda na economia do país, mas volto a lembrar, se tivessem cuidado
do nosso patrimônio quando deveriam, não estaríamos tendo um auxílio externo,
inicialmente. Pelo contrário, essas pessoas estariam vendo, lá fora, que sabemos
cuidar do que é nosso.
Esse texto não
parece que terá fim. Ficou longo, eu sei, mas preciso expor essa revolta que me
corrói por dentro. Essa revolta que não passará.
Meu estado, o Espírito
Santo, tem um total de 80 museus, três deles mantidos pelo governo estadual e
os outros setenta e cinco pelos municipais. Alguns encontram-se em condições
razoáveis graças ao esforço constante daqueles que trabalham no seu interior.
Pesquisadores, cientistas, continuam trabalhando no interior desses museus,
batalhando para preservação de seus bens. Artefatos de vários períodos da História
do Brasil e do Espírito Santo.
Eu poderia
esperar que os próximos governadores e presidente façam algo, mas não vou me
iludir, não serei tão inocente. Nosso passado foi arruinado, feito em chamas em
poucos minutos. Novas descobertas foram impossibilitadas. Não há arquivos
digitalizados que possam recuperá-los. Não a reconstruções e escaneamentos em
3D que refaçam o que se perdeu. Foi a nossa história, a histórias de gerações e
do mundo que partiu nas mãos incapacitadas dos nossos governantes. Nossa
cultura e nosso passado foi assassinado e a culpa é de quem, DE TODOS NÓS!
Aceitem esse fato, pois assim continuará sendo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário