quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

A história de Sadako

 "Este é o nosso grito. Esta é uma oração. Paz no mundo”.


Sadako Sasaki tinha dois anos de idade em 6 de agosto de 1945, quando a bomba atômica “Little Boy” foi lançada pelo bombardeiro Enola Gay sobre a cidade de Hiroshima, no Japão, que possuía uma população de aproximadamente 350.000 pessoas.

Sadako e sua família moravam a pouco mais de um quilômetro e meio do hipocentro da bomba. Uma luz branca e ofuscante brilhou pela cidade, e um enorme estrondo foi ouvido a quilômetros de distância. Imediatamente, incêndios eclodiram por toda a cidade e chuva negra radioativa começou a cair do céu. Sadako, como sua mãe e irmão, escapou dos incêndios. A avó de Sadako estava saindo com seus familiares, quando retornou para recuperar algumas heranças de família e nunca mais foi vista. O pai de Sadako não estava em Hiroshima quando o ataque ocorreu, se juntando à sua família depois.

Como muitos outros que vivem em Hiroshima, pós-Segunda Guerra Mundial, a família Sasaki lutou contra doenças, dificuldades financeiras, escassez de alimentos e incerteza de futuro. Eles sofreram e lamentaram a perda da avó de Sadako e quando ela ficou doente com leucemia, chamada de doença da bomba atômica, pois o câncer provavelmente foi causado pela chuva negra que caiu sobre Sadako no dia do bombardeio.

Aos doze anos de idade, Sadako precisou, então, ser internada em um hospital, onde permaneceu otimista e resiliente. Mesmo doente, Sadako continuou trazendo felicidade e alegria para sua família e amigos. Ela ficou muito feliz quando o Red Cross Youth club deu a ela e outras crianças no hospital origamis garça (Tsuru). A intenção dos origamis era ajudar as pessoas que estavam doentes a ficarem boas novamente. O pai de Sadako, a estava visitando quando ela lhe perguntou: “Por que eles nos enviaram garças em origami, pai?”, no que ele respondeu contando uma antiga lenda.

No folclore japonês diz que uma garça pode viver por mil anos, e uma pessoa que dobra em origami para cada ano de vida de uma garça terá seu desejo atendido. A história das garças de origami inspirou Sadako. Ela tinha uma nova paixão e propósito de ter seu desejo de estar bem novamente ao realizar a dobradura de mil garças de origami. Assim, ela começou a coletar centenas de pedaços de papel para fazer suas garças.

Com o passar do tempo, Sadako encheu seu quarto de garças de origamis coloridos e de todos os tamanhos. Ao finalizar o milésimo origami de garça, Sadako pediu para ficar bem novamente, mas, infelizmente seu desejo não se realizou, pois ela permaneceu doente, mas não perdeu a fé, voltando a dobrar mais origamis de garça, pedindo que a dívida de seu pai fosse perdoada, cada uma de tamanho diferentes, às vezes, quase do tamanho de um grão de arroz.

Sadako faleceu aos doze anos, cercada de seus familiares e de 1.300 garças de origami.

Quando Sadako percebeu o quão doente ela estava, teve muitos pensamentos e perguntas. Ela se preocupava com sua família, e se as pessoas se lembrariam dela. Sadako se perguntou: “Como posso tornar o mundo um lugar melhor enquanto estou viva?”

Ela queria deixar o mundo um lugar pacífico e compartilhou esses pensamentos e sentimentos com seus amigos e familiares. Embora Sadako não conhecesse seu impacto no mundo quando morreu, ela fez do mundo um lugar melhor. O espírito resiliente de Sadako e suas garças de origami inspiraram seus amigos e colegas de classe a arrecadar dinheiro para um monumento para Sadako e as crianças que perderam avida como resultado dos bombardeios atômicos a Hiroshima e Nagasaki. Desde 1958, milhares visitaram a estátua de Sadako no Parque Memorial da Paz de Hiroshima. A figura de Sadako levanta uma grande garça de papel no alto. Inscrita ao pé da estátua de Sadako está uma placa que diz: “Este é o nosso grito. Esta é a nossa Oração. Paz no mundo”.



terça-feira, 2 de março de 2021

O Pastor

 Durante anos eu fui um leitor ferrenho de romances de ficção e um desses foi O Alquimista, de Paulo Coelho.

Eu era um assíduo leitor de Paulo Coelho, que comecei a ler graças a minha amiga Daniella Navarro, mas deixei de lado tem ano. Só que, a influência de O Alquimista foi grande na minha vida. Então, determinado dia, decidi escrever o conto que vocês lerão abaixo (com algumas modificações, pois eu reescrevi ele). Boa leitura!

O Pastor


Um jovem pastor sempre conduzia suas ovelhas do campo para a cidade mais próxima, onde ele tosquiava e vendia a lã delas. Isso garantia sua sobrevivência por uma longa parte de seu ano, até a próxima safra. Na cidade, ele já se supria de mantimentos para sobreviver ao inverno. No mercado, sempre quem lhe atendia era a filha do dono. Uma jovem de beleza contagiante e um sorriso de despertar o coração do mais frio guerreiro. Ela sempre o tratava com afago e carinho, sempre lhe perguntando como estavam os anhos e se o seu rebanho tinha dado lá o suficiente para seu sustento.

A preocupação da jovem parecia tão legítima, que o jovem pastor estava encantado com ela. O senhor que tosquiava suas ovelhas e carneiros era seu único conhecido na cidade. Ele não o chamava de amigo, pois não tinha um laço mais próximo com aquele homem, mas era com quem conversava enquanto ele trabalhava. Sempre perguntava ao senhor se ele conhecia algum pretendente para a jovem filha do dono do mercado, e a resposta era sempre a mesmo, não, pois os homens ficavam surpresos e perplexos com a jovem, devido sua capacidade de articular e isso os intimidava.

O jovem pastor não se sentia intimidado, mas era tímido demais para abordá-la.

Certa vez, enquanto desfrutava de um pouco de schrobbeler[1] e uma fatia de pão com queijo de cabra e um pedaço de salame, na praça da cidade, enquanto esperava o tosquiar de suas ovelhas e carneiros, o jovem pastor desfrutava da leitura de um livro que ele sempre carregara com ele. Já o havia lido inúmeras vezes àquele livro, mas era sua única distração durante o pastoreio, nas noites do campo em que passava. Ao seu lado estava seu fiel amigo, um pastor holandês, que sempre o acompanhava e cuidava das ovelhas e carneiros, enquanto ele descansava. Então ouviu uma voz doce questioná-lo sobre o nome do animal. Ele levantou a cabeça do livro e viu o admirável e maravilhoso semblante da filha do dono do mercado. Aos raios do sol tardio, ela era ainda mais admirável. Sua pele alva, brilhava à luz do sol. Seus olhos pareciam duas pedras de topázio azul das mais lindas e seus cabelos negros reluziam de forma hipnotizante e, quando ela os mexia, exalava o mais inebriante odor de tulipas na primavera. Ela se sentou ao seu lado e antes que pudesse dizer o nome do seu companheiro, ela perguntou o que ele lia, então ele lhe permitiu que ela visse o título do livro. Mesmo com a capa desgastada do tempo, ela viu e se admirou, pois já havia lido àquele livro. Ela então falou de outros livros que lera, pois seu pai lhe dava tal liberdade, coisa que outras moças não tinham.

Como mercador, seu pai tinha de viajar as outras cidades e negociar com as pessoas as mercadorias para vender e ele sempre trazia um livro para ela, o que a fazia ter um conhecimento amplo sobre várias coisas. Ele já tinha lido desde romances de ficção até livros mais didáticos. O jovem pastor não entendia nada do que ela dizia, mas estava admirado demais para dizer que era leigo nos assuntos que ela tanto proferia. Só pensava em se casar com ela e criar uma família.

O fim da tarde chegava e a jovem então se despediu dele, beijando sua face de forma graciosa. O rapaz estava interessadíssimo nela e, quando voltou ao seu conhecido para pegar o dinheiro da lã, este disse que observou aos dois. Falou que ele tinha sido o primeiro a dar total atenção à jovem, pois nenhum outro ousara algo assim. O jovem pastor não sabia o que dizer, então pegou o dinheiro, alugou um quarto para passar à noite e, após as compras, partiria cedo.

No outro dia, foi ao mercado, mas, pela primeira vez, quem o atendeu foi o dono do mercado, pois a jovem ainda repousava. Comprou seus mantimentos, alugou uma carroça para levar as compras e partiu. Não esperava a hora de poder voltar para a cidade, pois pretendia propor algo à jovem.

O ano passou. Como o jovem pastor era sozinho e a maior parte do seu suprimento era alimento que perdurava doze meses, além da ração para seus caprinos e comida para seu cachorro, ele não precisava retornar à cidade. Quando chegou a época do tosquiar de suas ovelhas e carneiros, o rapaz então, ansioso, voltou à cidade, mas algo estava diferente, pois as ruas estavam vazias. Quando chegou no local para tosquiar suas ovelhas e carneiros, o seu conhecido também não estava lá. Como tinha liberdade para poder deixar seus caprinos em um cercado, ele o fez e se dirigiu ao centro da cidade, onde uma grande aglomeração estava saindo da igreja local, pois um casamento estava ocorrendo ali. Ao chegar mais, perto pensando que aquele seria o local ideal para dizer à jovem filha do dono do mercado o que sentia, ele a viu saindo da igreja, de vestido de noiva, com um homem bem-apessoado ao lado. Era um homem mais alto do que ela, com a pele bronzeada, forte e com aparente vigor. Ouviu comentários que diziam que a moça dera sorte, pois casara-se com o filho de um grande fazendeiro, que tinha uma grande produção de leite e vendia para fora do país, até. Mas o jovem não se importava com aquilo, somente olhou para o sorriso no rosto dela e o sorriso no rosto dele e pensou que ali poderia estar ele.

Amoado e triste, o jovem pastor foi para a praça central e testemunhou, a distância, a jovem saindo com seu esposo em uma carroça com uma comitiva logo atrás, indo à festa que estava planejada. Sabia que não teria como sair dali naquele dia, pois precisava do dinheiro do aparo de suas ovelhas e carneiros para passar mais um ano. Sentou no banco da praça e ficou ali, remoendo seus sentimentos, somente tendo seu cachorro como companhia. Pensou até em alugar um quarto para ficar distante daquilo tudo, mas pensou que a dona da pousada também deveria estar naquela comitiva para a festa. Então, de repente, ouviu uma voz que lhe perguntou por que não participava dos festejos do casamento.

A jovem, que estava à sua frente, também tinha a pele bem bronzeada, os cabelos eram cachos amorenados que caíam sobre seus ombros. Suas vestes eram diferentes das vestes que estava acostumado a ver das jovens que ali perambulavam. Ela se sentou ao seu lado e voltou a questioná-lo, então ele lhe disse que não havia motivos para festejar, pois a jovem que se casava era a mulher com quem ele pretendia se casar. Então a jovem lhe questionou se ela sabia disso, e ele disse que não. Aquela conversa o estava aborrecendo, pois desejava ficar ali, com sua própria raiva. A moça então lhe disse que ela também não tinha motivos para comemoração, pois o rapaz era um prometido dela. Eles haviam jurado que um dia se casariam, mas quando o pai dele enriqueceu com as vendas de leite das vacas que tinha, esqueceu dela. Há cinco meses ele havia conhecido a filha do dono do mercado e ambos iniciaram algo que terminou naquele casamento.

A jovem lhe contou que a família dela tinha carneiros e ovelhas, mas não prosperava como a família do homem que se casava naquele dia. Então o jovem pastor também disse que tinha ovelhas e carneiros e estava na cidade para poder tosquiá-las. Então uma conversa se iniciou entre ambos que perceberam ser muito parecidos entre si. Quando sentiu vontade de comer, o rapaz tirou seu pão com queijo e salame, oferecendo um pedaço à jovem, além de um cálice de licor adocicado, e ambos apreciaram juntos e continuaram a conversa.

O final da tarde chegou e o jovem pastor achou que passou muito rápido. Viu que as pessoas já retornavam para suas casas e, antes de se despedir, pediu à jovem que o encontrasse no outro dia, ali na praça. Ela não entendeu a proposta, mas aceitou o convite.

No dia seguinte, a jovem o encontrou, como combinado, e então ele lhe explicou que sua vida era complicada, pois ele morava distante e somente voltava uma vez ao ano para a cidade, mas que queria conhece-la melhor. Então pediu que ela o esperasse, pois ele gostara muito dela e não queria perde-la. Os olhos esverdeados da jovem pareciam duas jades brilhantes e ela disse que sentia o mesmo por ele e que sim, o esperaria. Então ela o beijou suavemente no rosto e partiu. Agora o jovem pastor tinha que ir até o seu conhecido para o tosquiar de suas ovelhas e carneiros. Lá ele perguntou sobre a família da moça que conhecera e o homem explicou que eles eram pessoas humildes, mas lutadoras e batalhadoras, como ele. O homem viu um brilho nos olhos de esmeraldas do rapaz e sabia que ali era nutrido uma esperança. Depois de pagá-lo, o jovem foi ao mercado e o dono lhe atendeu, fez suas compras e partiu, esperançoso que no próximo ano teria sua futura noiva à espera.


[1]  Schrobbeler - licor condimentado holandês adocicado e herbário. Tem gosto de alcaçuz como um aviso para aqueles que não gostam desse sabor.


sábado, 27 de fevereiro de 2021

A Pequena Tigresa


Baagh[1] se sentia extremamente valente e amava explorar os arredores do local que sua genitora, Maan[2], construíra para ela e seus irmãos. Quando não brincava com eles, enquanto sua mãe saía para a caça, ela decidia explorar o ambiente. Seu objetivo era ser tão feroz e destemida quanto sua mãe.

Um dia, enquanto sua genitora caçava, Baagh viu, à distância, uma toca estranha e maior do que a dela, então decidiu se aproximar. Desde que sua genitora lhe permitiu sair da toca, Baagh já viu de todos os tipos de seres, mas, em geral, eles andavam como ela. O ser acinzentado, sentado na relva perto daquela enorme toca, além de não se apoiar com todos os membros, tinha uma lanugem somente no topo da cabeça e era bem pouca. Além do que, parecia bem menor do que ela. “Será que era por estar sentando?”, pensou Baagh, “E que jeito estranho de sentar”. Mas, enquanto pensava nisso, o ser estranho pareceu vê-la e, em uma linguagem estranha, chamou Baagh.

Baagh era corajosa, mas aprendera a ser precavida. Sua genitora sempre lhe disse para não se aproximar de outros seres, pois eles poderiam ser capazes de machucá-la, já que era jovem demais. Então, de forma furtiva, ela se aproximou do ser de poucos pelos. Seu cheiro era suave e o tom cinza de sua pele era diferente dos outros. Aquele ser passou as mãos em seus pelos e ela se sentia acariciada, mas de forma macia. Não era como a língua de sua mãe, quando esta lhe banhava, mas sim algo suave e delicado. Então Baagh decidiu retribuir, mas como não sabia articular com os membros frontais, igual àquele ser, decidiu fazer como sua mãe, que sempre lhe falou que uma lambida era uma forma de carinho. O sabor daquele ser era adocicado, algo que Baagh nunca experimentara antes. Quando ela terminou de lambê-lo, ouviu um grito estridente vindo dele. Ela viu que arranhou a pele daquele ser débil com sua língua. Surgiu um outro ser, saindo da grande toca, o que assustou Baagh que correu para o interior da floresta. Ela retornou para sua toca, mas preferiu não falar nada para os outros ou para sua genitora.

Dias se passaram e Baagh e seus irmãos aproveitavam o tempo livre para aprender práticas com sua mãe, além de tentar descobrir quem seria o dominador daquela tribo. Ela sempre vencia. Quanto àquela toca gigante e os seres que lá viviam? Baagh preferiu esquecê-los. Mas eles não tinham esquecido dela.

Em determinado dia, enquanto Baagh, seus irmãos e sua genitora descansavam no interior da toca, um cheiro estranho permeou o ar. Quando despertaram, parecia que Gagan[3] havia decido ao chão. Uma grande escuridão, em pleno dia, tomara a entrada da toca e sua genitora gritou para que eles corressem para fora. Então ouviu-se os estrondos. Parecia Garjan[4] rugindo com Gagan, depois de Bijalee[5] iluminar os céus, antes de Varsha[6] empapar seu corpo, mas eram mais contínuos e repetitivos. Maan, a genitora, percebeu que eles estavam cercados por algo tão iluminado quanto Bijalee e que emitia um ardor que Baagh nunca sentira antes. Mesmo com toda luminosidade, Baagh reconheceu os seres altos que lembravam o pequeno que ela encontrara. Eles apontavam, para sua genitora, objetos finos. Ela ouviu sua genitora suplicando a eles para que se afastassem e a deixassem fugir com Baagh e seus irmãos. Baagh também tentou dizer a eles que ela não havia feito por mal, então viu Maan olhar para ela de forma assustada e ela explicou o que ocorrera. Quando Maan se virou para explicar para aqueles seres o que ocorrera, Garjan surgiu daqueles objetos finos e atingiu Maan, que caiu.

Baagh já havia testemunhado o decesso, pois era algo comum matar para se alimentar. Maan sempre trazia seres abatidos para alimentar a ela e seus irmãos, então conhecia o odor que saía de sua genitora. Aquilo a aturdiu, pois não esperava algo assim. Se sentiu culpada com aquilo, mas quando viu estava cercada por aqueles seres que se apoiavam em dois membros. Ela olhou para os irmãos, acuados e temerosos. Eles também sabiam o que acontecera com Maan. Se sentindo valente e desejando proteger seus irmãos, ela avançou nos seres e com suas garras, atingiu um dos membros deles e o viu caindo então, do nada, um objeto pesado atingiu sua cabeça e ela caiu, desmaiada.

Quando Baagh despertou estava no interior de um objeto com um cheiro estranho e ranhoso. Ela passou seu membro frontal nele e o barulho era horrível e a sensação era fria. Viu seus irmãos em outras daquelas coisas, igual a dela. Com o passar dos dias, viu pessoas indo e vindo e observando a ela e seus irmãos. Um tempo depois, um outro grupo daqueles seres surgiu e pareceu brigar com os que lhe haviam capturado, então depois de um tempo ouvindo o grunhido deles, viu ela e os irmãos serem carregados dali. Não demorou muito, aqueles objetos em que estavam foram abertos e eles se viram em um maior e com mais espaço, mas ainda não era a toca deles. Seus irmãos iam e vinham e, quando chegou a vez de Baagh, ela relutou. Temia aqueles seres pelo que haviam feito a sua genitora, não queria mais proximidade deles. Ela tentou arranhar – como fizeram antes – e até morder, mas eles tinham a vantagem de serem maiores e usaram algo semelhante ao objeto que tirou a vida de Maan, mas o barulho fora diferente e ela adormeceu.

Baagh acordou momentos depois, com seus irmãos gritando por ela. Nunca se sentira assim antes. Estava tonta e mal conseguia se apoiar em seus membros. Mas aquilo não durou muito e, em pouco tempo, ela já estava bem, mas sentia uma dor perto de sua cauda. Seus irmãos falaram que sentiam a mesma dor.

O tempo passou devagar e Baagh e seus irmãos cresceram juntos. Os seres que os mantinham ali, lhes davam alimentos, mas Baagh sempre lhes falavam que Maan não toleraria que eles se acomodassem. Alguns terminaram fazendo, mas ela ainda tentava manter sua ferocidade. Sempre que os seres precisavam leva-la, a atingiam com aquele objeto que a fazia dormir.

Um determinado dia, Baagh e seus irmãos viram aquela toca abrir e eles saíram para um ambiente totalmente novo e diferente do que estavam habituados. Alguns de seus irmãos pareciam gostar do contato com os seres em dois membros, mas não Baagh, que preferiu desaparecer naquela selva e nunca mais ter contato com nenhum deles.



[1] Baagh (बाघ) = tigre

[2] Maan (मां) = mãe

[3] Gagan (गगन) = céu

[4] Garjan (गर्जन) = trovão

[5] Bijalee (बिजली) = relâmpago

[6] Varsha (वर्षा) = chuva

terça-feira, 20 de outubro de 2020

O Pomar

Esta história que eu inventei, foi nos verões que passava com meu irmão e meus primos em Piúma, litoral sul do Espírito Santo, que é uma zona rural. Eu criei depois de assistir O Jardim Secreto (1993) e tentei criar uma lenda urbana sobre um pomar e, sempre que podia, contava aos meu primo Attila e meu irmão, Armando Junior. Lógico que dei uma reformulada na história, mas a ideia permaneceu. Esperem que gostem!


O POMAR

Esta é uma história que contavam na região rural, ao sul do Espírito Santo. Dois irmãos e seu primo, todos os verões, iam para uma cidadezinha bem rural. O primo destes dois irmãos tinha uma casa, que conseguia hospedar, praticamente, toda a família deles. Mas os três eram como unha e carne. Iam para o rio tomar banho, jogavam bola no areal, perto da casa e iam, caçavam passarinhos juntos, pescavam juntos e iam a chácara da vizinha desfrutar do farto pomar que ela tinha.

No pomar da vizinha tinha laranjais, limoeiros, pés de carambola, goiabeiras, pequenos – mas fartos – amoreiras, jamelões, fruta-pão, jaqueiras, cajazeiras, cajueiros, mamoeiros, cacaueiros, ananás e abacateiros. Era uma grande variedade de frutas que ela permitia que eles desfrutassem até certo horário do dia. Um dia, sentados em uma área atrás da casa, se aquecendo perto do fogão de lenha em um dia chuvoso e desfrutando das frutas que colheram antes, o mais velho dos três meninos perguntou porquê não podiam colher frutas quando a noite caía e ela lhes contou:

- Quando éramos mais jovens, eu e marido ainda namorávamos, decidimos entrar no pomar, à noite, para ficar longe das vistas de nossas famílias. Foi um grande erro, pois o lugar ganhava vida depois do surgir da lua. Sons tenebrosos podem ser ouvidos, as árvores parecem querer te engolir. É o momento de descanso delas, então não é bom interromper.

Quando voltaram para casa, os três comentavam da história que a dona do pomar contara. O mais velho se sentia confiante, dizia não ter medo de nada. O irmão dele, tentava imitá-lo, mas ouvia-se o tremular de sua voz. Já o caçula dos três não fingia a temerança e não achava certo desafiar as recomendações. Então o mais velho o chamou de medroso e disse que entraria naquele pomar na próxima noite e queria ver quem o seguiria. Seu irmão, que o admirava, falou que iria com ele, mesmo com medo. O primo deles não se sentia tão confiante para isso.

No outro dia, depois de jogarem bola com os meninos da região, irem tomar banho no rio e pescarem, o mais velho disse que naquela noite eles iriam entrar no pomar. De forma reticente, seu irmão abanou a cabeça confirmando, já o primo caçula continuava incerto. Ao cair da noite, eles perceberam que os mais velhos estavam na sala, conversando e decidiram sair pelas portas dos fundos. Seguiram de cabeça baixa pela garagem e, sem fazer muito barulho, saíram pelo portão.

Adentraram pelo portão de madeira da chácara e ouviram o latido do cachorro que eles conheciam. Deram biscoitos para ele ficar quieto e seguiram em frente. Quando estavam de pé no portal da horta, o mais novo falou que dali ele não passaria e, novamente, o mais velho o chamou de medroso e puxou seu irmão – que parecia querer desistir, também – para dentro do pomar. Eles estavam de lanternas acesas, os três, mas o mais velho e seu irmão foram tão fundo no pomar que o breu tomou conta do lugar, sem conseguir enxergar o brilho da lanterna de seu primo. Então, de repente, sons guturais começaram a ser ouvidos, os dois sentiram espinhos dos limoeiros arranhando suas pernas e braços e, de repente, suas lanternas falharam. Do lado de fora do pomar, o primo deles ouvia os gritos dos dois e se desesperou. Correu para a casa de seus pais, chamando-os para irem ao pomar. Ele terminou acordando a dona da chácara e seu marido. Percebendo o que tinha ocorrido, os pais dos meninos foram até uma guarita, que ficava do outro lado da pista, no sopé de um morro e chamaram os guardas para ajudarem nas buscas.

Os pais, o dono da chácara e dois policiais, munidos de lanternas, entraram no pomar, mas estava muito escuro para poderem ir mais fundo. No outro dia, bem cedo, antes de sair para a roça, o dono da chácara entrou no pomar, para ver se encontrava os dois meninos perdidos, mas nada achou, além de suas lanternas e o boné que o mais velho usava. Ele levou o que achou até a casa do seu vizinho e entregou o que achou para os pais. Inconformados com isso, chamaram várias pessoas para buscar pelo pomar. Por dias procuraram, mas nada acharam.

Depois disso, ninguém nunca mais visitou o pomar. Ele se encontra abandonado, mas dizem que, à noite, ainda pode se ouvir os gritos assustadores dentro dele.

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Uma estória simples

Bem, esta... estória - se assim posso chamá-la - foi escrita há... muito tempo por mim, por isso, peço desculpas se existe um exagero de um adjetivo e seu advérbio, mas é como eu a imaginei.


UMA ESTÓRIA SIMPLES

Um simples escritor chegou a um simples vilarejo aonde, simplesmente, desejava morar. Ele havia comprado uma simples casa, em uma simples rua e, um simples dia, viu uma simples jovem linda passar diante do seu simples portão e ela lhe deu um simples sorriso. Ele simplesmente se apaixonou pela jovem naquele simples momento que a viu. Descobriu aonde ela morava e, todos os dias, lhe mandava simples flores com uma simples mensagem: “Eu, simplesmente, estou apaixonado por você”. Foram dias, semanas, meses, mas ele nunca achou que era recíproco. Então, em um simples dia, ele decidiu, simplesmente, terminar com a sua vida. Ele foi enterrado no simples cemitério, atrás da simples igreja daquele simples vilarejo e, em uma simples lápide, estava escrito: “Um simples escritor que, simplesmente, decidiu deixar de viver”. Mas, todos os dias, com o passar do tempo, aquela simples jovem era vista colocando simples flores no túmulo do rapaz e um dia puderam a ouvir falar: “Se você tivesse simplesmente dito que me amava, simplesmente estaríamos juntos”.

O Porto

 Meus sonhos, minhas inspirações. Mais um conto para vocês - este é bem mais curto -, mas que achei interessante compartilhar. Espero que goste... e comentem!


O PORTO

Ele despertou em uma praça. Não lembrava o próprio nome, mas lembrava que estivera ali com seu filho. Que morava em uma ilha, nas proximidades, que tinha um barco e, ele e seu filho tinham ido para o porto comprar suprimentos... mas não lembrava do próprio nome. Algo estava confuso.

Saiu para procurar pelo filho e foi fazendo os passos que fizera antes. Primeiro, passou no bar que os dois tinham parado para beber e comer algo, mas não encontrou ninguém. Na medida que procurava as pessoas que conhecia, não encontrava ninguém, mas percebeu que o bar estava todo molhado. Saiu do bar e foi até o mercado, onde tinha ido comprar suprimentos. Suas compras ainda estavam no balcão, mas o rapaz que ficava no caixa não estava ali. Andou pelo local, gritando o nome do próprio filho, mas não o localizou. A preocupação começou a assolar sua cabeça. Desesperado, saiu do mercado, pensando, “depois venho pegar os suprimentos”, e foi até o posto policial, para pedir ajuda. Entrou no posto policial e não viu ninguém. “Não pode”, ele pensou, “Sempre tem um policial que possa nos atender”. Andou por todo o local e, como no bar, somente poças de água no chão.

Voltou para as ruas, gritando pelo nome do filho ou mesmo por ajuda. “Por que não lembro do meu nome?”, ele se questionou. Era impressionante, pois aquela era uma vila portuária e as pessoas, à noite, saíam para se divertir, mas não tinha ninguém, como se, do dia para a noite, aquilo se tornara uma cidade fantasma. O que mais o impressionava é que aparentava ter chovido na vila, mas ele não estava molhado. Sua cabeça latejava, “diga seu nome”, ele pensava – ou acreditava que estava pensando. Procurou em cada viela, em cada beco escuro e nada. “Filho, onde está você?”, ele gritou, quando voltou a praça, “Aonde está todo mundo!”. Então ele ouviu uma voz bem baixinha, “pai?”, e perto do chafariz, coberto com o casaco do pai, estava o jovem de 12 anos, “o que aconteceu?”, ele questionou. “Venha, temos de pegar as compras e voltar, sua mãe e suas irmãs devem estar preocupadas”. Os dois se deram as mãos e foram ao mercado. Chegando lá, perceberam poças d’água espalhadas pelo local. “Cadê todo mundo, meu pai?”, questionou o filho. Ele preferiu não responder, pegou o pacote de compras no balcão e saiu, em direção ao porto.

Chegando no pequeno barco, de relance, ele acreditou ver um rosto difuso nas sombras, uma mulher, que lhe sorriu, mas não era um sorrido cordial, ele percebeu algo de maligno. Seguiu com o barco, remando de volta para casa. Ao desembarcar na ilha, sua cabeça começou a latejar fortemente. “Pai, você está bem?”, perguntou o filho. “Pegue as compras e vamos para casa”, ele respondeu. Atracou a pequena embarcação e andaram em direção da própria casa. A cabeça do homem latejava cada vez mais. “O que está acontecendo comigo?”, ele se questionou, “E por que não me recordo do meu nome?”. Pensou em questionar ao filho, mas não queria parecer fraco diante da criança. Ele precisava se mostrar forte, era o homem da família. Ao entrar em casa, gritou por uma saudação, “Mulher, chegamos!”. A esposa veio, com ar de preocupação no semblante. “O que aconteceu com vocês?”, ela perguntou, “Passaram o dia todo fora. Saíram para as compras bem cedo e só retornaram agora. O que houve?”. Ele não quis responder, mas precisava se sentar, pois sua cabeça latejava muito e ele sentia uma tontura surgir. A esposa então disse, “Ezekiel, o que houve?”. “Ezekiel. Este é meu nome” e, então, veio a sua memória o que ocorrera naquele dia.

Conversara com sua esposa, bem cedo, que levaria o menino para fazer as compras dos suprimentos. Ambos pegaram o pequeno barco e ele colocou o filho para remar. “Você precisar criar músculos neste corpo franzino”, ele disse, “já está na idade de poder sair comigo para pescar”. Assim que ensinou o filho a amarrar a embarcação no porto, subiram para a cidade, mas, na beira da escada estava uma mulher maltrapilha. Ela lhe pediu um pouco de comida, mas ele preferiu ignorá-la. “Não dê atenção”, disse ao menino. A mulher lhe agarrou na roupa e ele a rejeitou. Ela novamente segurou na barra de sua calça e ele disse “vá arranjar um marido para sustenta-la. Não tenho e nunca terei nada para ti”, e quando ia retirar a mão dela de sua calça, ela o segurou e seu filho com uma força que ele não esperava que ela tivesse e a ouviu dizer:

- Por não ajudar, se amaldiçoará! Nunca se lembrará até seu nome alguém mencionar, e quando isso ocorrer a pessoa irá se desfazer “. – Repentinamente, ele viu sua esposa se tornando líquido. Roupas, olhos, cabelo, pele. Tudo virou líquido. Ele se desesperou, gritando e, correndo em sua direção, veio seu filho dizendo, “Pai, minhas irmãs. Elas viraram água”. O pescador lembrou o que ocorrera então. Como havia nascido e crescido naquele vilarejo, conhecia a todos e, com isso, aqueles que vinham em seu socorro ou que gritavam seu nome, terminavam se tornando líquido. A bruxa os amaldiçoara. A ele e seu filho, e nada poderiam fazer.



segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Em Chamas

 

Eu sou uma pessoa que acredita muito que devemos respeitar o Brasil. Respeitar as pessoas que estavam aqui antes de ser Brasil, respeitar aqueles que sabem viver com nosso ecosistema, sem abusar demais. Respeitar fronteiras e respeitar, antes de qualquer coisa, nossa biodiversidade.

O texto a seguir se baseia em um sonho que tive e, sinceramente, espero que gostem.

Silmara havia se formado há pouco tempo em Biologia e decidiu entrar para uma ONG voltada para ajuda às tribos indígenas e manutenção do bioma amazônico. A ONG era liderada por sua maior inspiração, Thereza Gouveia e, entregar para aquela organização era seu maior desejo.

Mesmo tendo nascido e crescido em uma comunidade carente, Silmara sempre desejou vivenciar a vida nas selvas tropicais brasileiras. Quando terminou sua pós-graduação, se inscreveu para várias organizações, mas sempre torceu pela de Thereza, mesmo que não fosse voltada para reserva ambiental, trabalhava em ambientes no interior do Amazonas, onde ela poderia testemunhar e ver os mais diversificados ambientes de fauna e flora do Brasil.

Thereza era uma antropóloga com um trabalho renomado e que lutava pelas tribos indígenas e quilombos em todo o território ao norte do país. Sua luta era tão acirrada que, por vezes, recebeu várias ameaças de morte e suas redes sociais eram inundadas de violência verbal e desmerecimento de seu trabalho. Mas isso não a fazia desistir, pois constantemente pessoas buscavam fazer parte do seu empreendimento, que não visava lucros, somente auxílio e apoio a essas sociedades discriminadas. Quando ela entrevistou Silmara, lhe questionou o motivo dela querer fazer parte da organização – ela sempre fazia isso com todos os cientistas que desejavam embarcar naquela empreitada, principalmente porque não era algo com glamour, pelo contrário, as pessoas tinham de enfrentar os ambientes mais inóspitos, dormindo em barracas improvisadas, sendo picadas por mosquitos e formigas e correndo riscos com pessoas que não desejavam elas ali. Silmara a impressionou na entrevista, pois falou de seu amor pela fauna e flora, de sua busca pela preservação por aquele tipo de ambiente.

Silmara lhe contou sobre sua origem humilde. Sua mãe era funcionária doméstica que não tinha nada além do fundamental e seu pai trabalhava como operários em construções, as vezes fazendo bicos para completar a renda familiar. Eles nunca pensaram que um dia teriam uma filha na universidade, mas sempre a incentivaram a estudar bastante para ter um futuro melhor que o deles. Silmara era a segunda filha de cinco. O primeiro, um menino, terminou se envolvendo com o tráfico de drogas e morreu novo, o que deixou sua mãe muito abalada e temerosa por seus outros filhos. Quando Silmara começou a demonstrar interesse por cuidar de plantas, seus pais pensavam que ela poderia trabalhar em uma floricultura. Ela chegou a trabalhar em uma, como jovem aprendiz, mas isso somente lhe serviu para juntar dinheiro quando fosse fazer universidade. Ela contou o que desejava fazer na universidade e seus pais a ajudaram a pagar um cursinho noturno. Ela passou na universidade e quando ela chegou em casa – toda suja, pois sofrera trote quando foi se matricular – sorrindo, eles ficando orgulhosos. Foram quatro anos que ela sofreu muito, principalmente porque precisava encarar ônibus lotados de manhã bem cedo. Às vezes, levando pequenos lanches, pois não tinha condições de pagar nem um almoço no restaurante da universidade. Usando materiais, algumas vezes, precários, pois não tinha como comprar os seus instrumentos de uso, precisando contar com os da universidade. Mas foi gratificante a colação de grau e a formatura. Logo depois embarcou em uma pós-graduação de Biologia Vegetal, com bolsa patrocinada pela universidade. Chegou a trabalhar como assistente de seu orientador, mostrando que era aquilo que ela sempre desejou. Teve uma excelente nota no seu TCC e, logo depois, seu orientador preparou cartas de recomendação e pediu que ela fizesse mestrado. Mas Silmara desejava ir para a floresta, onde teria contato direto com o ambiente da flora que desejava, além de conhecer mais daqueles que cultivam e vivem naquele ambiente.

Thereza não entendia o que viu naquela jovem, mas gostou dela de imediato e colocou-a sob sua tutela. Ciências diferentes, mas objetivo semelhantes, Thereza logo levou Silmara para uma reserva indígena que vinha precisando de ajuda, pois estava ameaçada por madeireiros que desejavam explorar o ambiente que circundava a reserva e sabiam que seria impossível enquanto eles permanecessem ali.

Os indígenas sofreram ameaças, tiveram membros da tribo desaparecendo, ataques noturnos as suas reservas. Mas, lógico, não tinha como provar nada contra as madeireiras. Sabendo dos ataques as colheitas e suprimentos dos indígenas, Thereza junto um grupo de ativistas de sua organização e partiu para ajuda-los com o que poderia. Recorreu a conhecidos para fornecer alimentos orgânicos e material biodegradável, que manteria a aldeia até eles se restabelecerem. Silmara ajudou com as sementes que seriam mais úteis para o cultivo nas tribos, como banana, milho, abacate, guaraná e mandioca. Ela fez a seleção, separação e cultivo, pois desejava levar provetas, facilitando e agilizando o cultivo.

Depois de meses conversando com as empresas e separando o material, o grupo selecionado por Thereza embarcou em um ônibus locado e partiu em uma viagem de cinco dias. Silmara ficou fascinada por aquilo, pois poderia testemunhar ambientes agrícolas e locais que somente vira em documentários ou fotos na universidade. A cada parada, Silmara via se suas provetas estavam bem, pois precisavam de atenção constante quanto o ambiente agressivo que estavam enfrentando.

Assim que chegaram à tribo, Thereza foi falar com o cacique e pedir sua permissão para desembarque e, com ajuda de membros das tribos, tudo foi desembarcado mais rapidamente. Com orientação e muito cuidado, as provetas foram levadas para fora do ônibus. No outro dia começariam a plantá-las.

Horas depois de se alojarem em uma maloca, chegou a reserva dois jipes do exército com DEZ soldados, sendo o tenente deles um conhecido de Thereza. Ela, junto com o cacique e o pajé, foram recebe-los. Silmara ficou impressionada com aquilo.

Ela conhecia um pouco da história de Thereza. Sabia que ela era filha de um coronel da reserva e que sua mãe era uma pessoa ligada as causas sociais. Thereza se formara em Ciências Sociais, mas se dedicou a Antropologia e, após a morte de sua mãe, usou dos seus contatos para ajuda-la nas suas próprias causas. Já, após o falecimento de seu pai, usou da pensão por morte para investir de várias formas, assim não precisaria passar dificuldades, e manteve contato com vários militares, que sempre corriam em seu socorro, para ajudar na sua proteção e de sua equipe.

Os soldados armaram barracas nos limites das tribos, pois não queriam interferir muito no trabalho que seria desenvolvido.

No dia seguinte, depois de sua primeira noite em um ambiente desconhecido, Silmara começou as atividades com as provetas. Percebendo que os indígenas não entendiam o que ela pretendia, contando com um tradutor, ela lhes explicou que aquelas pequenas plantas agilizariam no cultivo e na colheita, mostrando cada um dos brotos, mas, em especial, os de guaraná. Seu trabalho de pós-graduação se concentrou na domesticação que os indígenas desenvolveram com o guaraná, então ela estava ansiosa pelos plantios destas provetas.

Enquanto isso, Thereza conversava com o cacique, o pajé e o tenente sobre os ataques à tribo. Eles explicaram que empresas madeireiras têm destruído grande parte das árvores nas proximidades, sem respeitar os limites territoriais da tribo. E, como principal intuito de expulsá-los de sua reserva, sumiram com grandes caçadores da tribos, deixando-os sem condições de caça – algo que estava escasso há algum tempo, pois os animais fugiam ou eram capturadas ou era mortos com o desmatamento – e, os ataques mais recentes foram às plantações e aos galpões com os produtos colhidos e processados pelos membros da tribo. O pajé também falou que teme pelas crianças, que não podem mais ir ao rio se banhar, sozinhas, e teme que o poço possa secar, já que ele viu a madeireira fazendo barreira do leito do rio. O tenente ouviu àquilo tudo e prometeu que averiguaria a situação, mas que eles estariam seguros, enquanto seus homens estivessem ali. Ao saírem da reunião com o pajé, Silmara viu Thereza se despedir do tenente com um selo nos lábios e questionou ao tradutor que a ajudara se eles eram namorados, pois nunca soube que Thereza tivera um relacionamento. O tradutor lhe disse que eles haviam sido casados, quando Thereza era mais jovem. Não tinha sido uma cerimônia glamourosa, somente um casamento no civil. Mas, desde que Thereza iniciou suas lutas pelos direitos de nativos brasileiros e dos quilombolas, perceberam que era uma relação impossível, e se divorciaram dois anos após o casamento.

Thereza não abria muito este lado de sua vida, então era algo que não se encontraria em redes sociais ou canais de notícias. Para a antropóloga era melhor divulgar seu trabalho do que sua vida pessoal. Ela sabia que, devido a amplitude das redes sociais e das pessoas gostarem de fuxicar a vida dos outros isso poderia vazar, mas somente se preocuparia quando acontecesse.

Até o final do dia, contando com a ajuda dos membros da tribo, Silmara conseguiu plantar mais da metade de suas provetas. Demorou, pois muito a paravam para lhe perguntar que planta era aquela, e ela não pode contar com eles o dia inteiro, pois tinham outros afazeres na tribo que não podiam ser deixados de lado. À noite, as índias haviam preparado um maravilhoso jantar – melhor do que o almoço, que também tinha sido ótimo – com os suprimentos nutritivos que Thereza trouxera. Quando iam se recolher na maloca, Silmara foi procurar Thereza, que estava cercada de mulheres indígenas, conversando. Elas pareciam fascinadas pela cor da pele de Thereza e de Silmara. Falavam que parecia a cor da noite e que eram abençoadas por Jaci – Silmara ouviu isso o dia inteiro e ficou maravilhada ao saber quem era Jaci. Sentou junto com as índias para ouvir as histórias de Thereza. Era fascinante poder conhecer mais um lado de sua ídola. Quando as índias se afastaram, ficaram somente as duas e Silmara quis insistir com o assunto sobre o tenente do exército que deixou oito de seus homens cuidando deles e da tribo. Thereza sorriu, parecendo acanhada – Silmara mencionou o beijo dos dois.

Ela contou que, quando tinha 20 anos, seu pai havia sido transferido para um pelotão na região norte do país e lá ela conheceu um jovem sargento que foi muito gentil com ela. Sabendo que Thereza havia estudo ciências sociais na universidade, havia se pós-graduado em Antropologia Social e tentaria mestrado na mesma área, o sargento a levou para conhecer um quilombo ali perto, que o exército ajudava com suprimentos. Dali por diante os dois começaram um romance que terminou em casamento. O pai dela terminou sendo transferido para a região Centro-Oeste do país, mas Thereza permaneceu ali, com o marido. Passado dois anos, Thereza percebeu que havia adiado demais sua ambição, mas era algo que seu marido também havia percebido e ele a chamou para conversarem. Dessa forma, em comum acordo, os dois decidiram se divorciar. Thereza não era tão conhecida, então deixou isso reservado somente entre seus pais e o pelotão em que vivera. Sabia que isso um dia viria a público, como aconteceu quando descobriram que ela foi dependente do fundo da pensão por morte do pai, julgando-a por isso. Mas ela somente se preocuparia com aquilo quando ocorresse, precisava se concentrar com seu trabalho.

A forma como Silmara ouviu aquele relato era como uma pessoa deveria agir quando tivesse uma conversa pessoal com um cantor famoso, ou um escritor consagrado. Para ela, Thereza era uma pessoa fabulosa e interessantíssima. Sim, ela sabia da diferença de ambas em seus estudos, mas a luta de Thereza ia além das tribos, pois sabia que a manutenção dos indígenas e quilombolas coincidiria com a preservação da natureza a sua volta.

Tanto os indígenas quanto os quilombolas exploram o ambiente de forma saudável, respeitando o ambiente da fauna e da flora e a biodiversidade existente, sem excessos. As tribos e os quilombos sabem que dependem da natureza para sobreviver, então busca “domesticá-lo” e se adaptam a ele.

Os dias correram de forma tranquila, sem intromissões de madeireiros, pois temiam o exército fronteirando a reserva. Mas, após seis meses, o tenente amigo de Thereza voltou a reserva e lhe disse que não poderia manter mais seus homens auxiliando. “Ordens de cima”, ele disse, “Temos de deixa-los por conta própria, concluiu. Thereza conhecia este tipo de situação, não era uma novidade perder apoio, pois o governo não achava que reservas indígenas ou quilombos merecessem proteção contra ataques. Ela então foi com seu amigo até o quartel, pois queria entrar em contato com amigos que ajudariam na proteção. Quando retornou, avisou a todos que eles demorariam uma semana para chegar, e Silmara pode sentir a tensão cair sobre seus colegas. Alguns sabiam o que isso poderia significar, outros, como Silmara, estavam nesta aventura pela primeira vez.

Quando a noite caiu, quase ninguém conseguiu dormir, até que sentiram o cheiro de mato queimado. Quando saíram, viram animais correndo em desespero e, mesmo sendo o momento mais escuro da noite, o céu acendia em laranja e amarelo. Os responsáveis por aquilo não desejavam mais expulsar os indígenas, mas sim queimá-los de forma derradeira. Um grande desespero se abateu sobre todos, pois eles se viam cercados por enormes piras de fogo incandescente. O calor era insuportável, mas precisava ser contido. Silmara somente conseguia pensar nas plantações e decidiu correr para lá. Thereza e outros gritaram para ela, mas foi sem sucesso. Quando Silmara chegou as plantações, viu seu trabalho se tornando cinzas e o fogo parecia desejar lamber sua face. Um de seus colegas a abraçou e carregou dali, pois precisavam dar um jeito de sair dali.

Quando os dois voltaram para o grupo, o pajé já havia iniciado um grupo que retirava água do poço para jogar nas chamas e, vendo isso, Thereza fez sua própria fileira, para ajudar. Silmara e seu colega entraram na fileira e começaram a jogar água em determinado ponto das chamas. Todos saíram das malocas e se reuniram no centro da aldeia. As primeiras malocas consumidas pelas chamas, não demoraram muito para cair. Os chumaços inflamantes alçaram voo até as outras malocas e a aldeia parecia perdida.

 Thereza correu para seus equipamentos e pegou um rádio para entrar em contato com o quartel do exército, mas a única coisa que conseguiu foi que eles estavam de mãos atadas.

O medo era desesperador e as malocas foram totalmente dizimadas. Gritos assustadores vinham das crianças e dos jovens, principalmente. O fogo começou a se extinguir no começo do amanhecer, pois não foi expelido para o interior da floresta. Fora calculado para consumir somente o interior da aldeia. Quando o sol começou a aquecer a todos, alguns já encontravam quase desidratados e com vários tipos de queimaduras. Alguns suprimentos médicos sobreviveram e, com isso, os feridos foram cuidados. As pessoas que estavam nas fileiras não se desidrataram muito, pois um dos colegas de Thereza era bombeiro e recomendou que eles se molhassem antes de tentar conter as chamas, o que os manteve somente com um tipo de bronzeado.

Silmara nunca testemunhou nada parecido. Seu rosto estava sujo de fuligem e o calor que enfrentara foi insuportável. Quando a adrenalina baixou, ela sentou no chão e chorou, até sentir uma mão sobre seu cabelo e olhou para cima, vendo Thereza. Ela sentou ao seu lado. Seu rosto também estava bem sujo, seu cabelo parecia ter sido tingido, devido as cinzas e ela tinha uma queimadura no braço direito. Na tentativa de acalentar os ânimos de Silmara, ela lhe contou uma história que havia ocorrido com ela cinco anos atrás, quando estava em um quilombo que estava em um terreno desejado por agropecuários. Ela viveu com eles por um ano inteiro e testemunhou atrocidade dos mais diversos tipos, mas a pior foi quando o quilombo se viu cercado de grileiros armados e eles disparavam para todos os lados, em tiros cruzados. Ela vira crianças serem feridas, mortas. Pareciam mosquitos mortais, devido aos zumbidos das balas. Ela tinha suas marcas de memória daquele dia. Levou dois tiros, um acertou em seu ombro e o outro na parte de trás de sua coxa. Eles dispararam até acabar as balas e foram embora. No final, vários feridos e seis pessoas mortas. Aquilo virou notícia mundial, repercutiu em todo o Brasil, mas não teve presos. Alguns pensaram que, depois daquilo, Thereza desistiria de continuar sua luta, só que foi o contrário, intensificou ainda mais tudo o que ela acreditava. Ela foi ao Congresso Nacional, conversar com os Deputados e Senadores. Se tornou ativa em redes sociais para mobilizar as pessoas e, mesmo as ameaças e as provocações, não eram o suficiente. Depois de sobreviver a um fogo cruzado, palavras ofensivas eram pequenas demais. Thereza explicou para Silmara que, no momento que ela deixasse esmorecer sua luta, seria o momento em que estaria dentro de um caixão. Também disse que entenderia se Silmara decidisse desistir, mas que ela precisava entender que sempre seria bem-vinda a continuar.

Horas depois um caminhão do exército chegou à aldeia e, junto dele, o ônibus de viagem do grupo de Thereza. O coronel falou com o cacique e o pajé que estavam ali para realoca-los, pois a reserva havia sido reposicionada para outro local. Thereza foi ouvir a conversa e sabia que nada poderia ser feito. Foi decepcionante para Silmara. Passou por sua cabeça que aquela luta era inútil e sem cabimento. Eles faziam aquilo tudo e depois viam tudo se perder. Por que continuar a lutar se nada é feito? Olhou para Thereza que, mesmo com aquela queimadura no braço, continuava a ajudar a tribo. Olhou para todos que, mesmo sofrendo com tudo que passaram, ainda estavam de pé e lutando por mais um dia, ela queria entender e percebeu que não seria desistindo que descobriria. Levantou de onde estava e, tentando limpar as lágrimas da melhor forma possível, começou a ajudar a todos, pois precisavam continuar a luta.

terça-feira, 16 de julho de 2019

Teatro Capixaba: Mini-biographia: Wilson Nunes

Republicação do projeto "Mini-biographia" que fiz de Wilson Nunes, em 15 de setembro de 2010, com grande ajuda do Dimensão Cultura.

Eu comecei esse projeto há alguns dias, timidamente, com a personagem de Milson Henriques, Marly, que ganhou corpo e voz com o ator e diretor José Luiz Gobbi. Depois parti para outra personagem da ficção, que é uma criação em dupla de Wilson Nunes e Edilson Pedrini (um a concebeu e o outro escreveu as falas dela), Melani Marques.
Agora o projeto Mini-Biographia toma outro rumo graças a duas pessoas, a atriz e produtora Karina Americano e Wagner Trarbach, que está cursando a faculdade de Rádio e TV na FAESA, que entrevistaram para o Dimensão Cultura, o ator, diretor, produtor, dramaturgo, locutor, professor de teatro, cantor, descobridor de talentos e – lógico! – criador de Melani Marques, Wilson Nunes. Esse trabalho foi gostoso de fazer, pois ver a trajetória de Wilson e tudo que ele conquistou de lá para cá, e simplesmente inebriante. Abaixo você poderá ver o resultado dessa Mini-Biographia:
Wilson não começou como ator como muitos devem acreditar, sua carreira se iniciou como cantor em um Festival de Música em Santa Tereza em 1980, ganhando o prêmio de Melhor Interprete do Festival com a música “Quadrilha no Arraiá”, forró do capixaba Zé Orlando. Nesse mesmo ano ele começou fazendo serestas no Álvares Cabral, em Vitória, no Clube do Português, que se localizava na Serra e no ARCI, em Vila Velha, e foi assim durante dois anos.
Em 1982, Wilson Nunes começou sua carreira como ator. Nesse ano ele fez seu primeiro teste com Milton Neves, criador da Vovó Bina, na Agência Vovó Bina, da Vovó Bina Produções Artísticas, e iniciou como Papai Noel em eventos natalinos no Centro da Praia Shopping e Boulevard da Praia, ambos localizados na Praia do Canto, em Vitória.
Seu primeiro trabalho em palco aconteceu na peça “O Gato Playboy”, de Paulo Pinheiro, como o Guarda Real. Ela servia, também, para animar festinhas de crianças, e era assim que Wilson começava a fazer a construção de suas personagens e suas improvisações, que são tão conhecidas e esperadas em seus espetáculos. O trabalho de interpretação, construção da personagem, era totalmente autodidata. Ele aprendia a ser ator indo assistir espetáculos com os atores e atrizes que já desenvolviam esse trabalho no Espírito Santo, como Geiza Ramos, Inácia Freitas, Vera Rocha e Cesar Sampaio, os diretores Milton Neves (que o descobrira) e Renato Saudino são suas melhores referências como diretores teatrais. Esses já eram os “gigantes” do nosso teatro e chegavam a intimidar Wilson, devido ao talento que possuíam, fazendo-o refletir muito em como poderia embarcar nesse meio que tanto o contagiava e o deixava feliz. Mas com os trabalhos desenvolvidos ao lado de Milton Neves, Wilson conseguiu embarcar no ramo de comerciais de TV.
Raridade na década de 1980, Wilson Nunes conseguiu fazer uma média de cinco comerciais nesse período, e mesmo sem muita experiência com vídeo, pois cursos em Vitória, tanto para teatro quanto para vídeo, não existiam, ele encarou e deu certo. Mas aquela década fora totalmente voltada para o teatro. Depois de “O Gato Playboy”, foi a vez da peça infantil de Maria Clara Machado, “Maria Minhoca”. Wilson ainda fez a personagem Halleyzinho na peça infantil “As Aventuras de Halleyzinho”, escrito e dirigido por Milton Neves, em comemoração com a passagem do cometa Halley em 1986. Enquanto esteve junto à Turma da Vovó Bina, Wilson aprendeu a seriedade e o comprometimento com o teatro. Dedicado como é, Wilson as vezes, para participar dos ensaios com a Turma da Vovó Bina, ia de Maruípe ao Centro, andando e lendo o texto da peça.
Já na década de 1990, Wilson Nunes começou estrelando, ao lado de Marlon Christie, Tadeu Schneider e Gilberto Helmer, a peça “Os Gatos do Beco”, escrito e dirigido por Alvarito Mendes Filho. A peça se tornou um grande sucesso na época, e foi o pontapé para o início da carreira solo de Wilson. A peça infantil era uma mistura de Beatles com o musical da Broadway – de forma bem mais humilde - “Cats”. As lembranças carinhosas de Wilson com esse espetáculo, vem desde as improvisações engraçadas dentro do elenco até os acidentes que sofrera, como a queda do palco do Teatro da Garoto, em Vila Velha, no qual ele saiu mancando, mas sem descaracterizar a personagem, continuou miando. Após esse grande sucesso ao lado de Alvarito, Wilson participou de sua primeira peça teatral adulta, “Hello Creuzodete 2: A Missão”.
Primeiro surgiu o convite pelo autor Milson Henriques e o ator José Luiz Gobbi, após verem o trabalho de Wilson em “Os Gatos do Beco”, para um teste. Milson já conhecia Wilson da época em que ele fazia serestas, e depois de tantas vezes ir assistir ao espetáculo infantil, o convite foi feito.
No mesmo dia do teste, Wilson foi contratado para a continuação de “Hello Creuzodete”, no qual Gobbi fazia a personagem central Marly, criada por Milson Henriques para as tiras de jornal. Como “Os Gatos do Beco”, “Hello Creuzodete 2: A Missão” também fora um grande sucesso, estreando no Teatro Glória e depois indo para o Teatro Galpão, aonde ficou em cartaz com todos os fins de semana lotados, e levou Wilson Nunes a outros trabalhos.
Ele voltou a fazer infantil na peça “Pinóquio, O Menino”, que ficou um mês em cartaz no Teatro João Caetano, do Rio de Janeiro, após a vinda do diretor Rogério Fróes à capital. Quando retornou, Wilson teve sua estreia como diretor profissional de teatro em “Minha Sogra 44”, que foi também seu primeiro texto para os palcos. A peça contava a história de Fred e Duda, o primeiro um funcionário de banco e o outro era um transformista. Ambos eram namorados e viviam bem, até que um dia recebem o telefonema da mãe do Fred, Dona Carmelita, que queria visitá-los. Assim sendo, para que ela não saiba do caso de ambos, eles decidem colocar a empregada Lauriete como esposa do Fred, só que a mãe deste, cria um grande interesse pela falsa esposa, criando uma grande bagunça dentro da casa. No elenco, com Wilson Nunes, estavam Célia Sampaio, Gilberto Helmer e Mauro Pinheiro.
O sistema de direção adotado por Wilson é muito interessante, pois para estar em palco e dirigir ao mesmo tempo, ele adotou pedras para fazer a demarcação de cena. Sendo assim, cada ator era uma pedra, com uma cor diferente, e quando ele movimentava tinha ideia de como desenrolaria a trama, podendo se encaixar depois.
Dentro de todos os trabalhos, Wilson Nunes, após seu sucesso em “Hello Creuzodete II: A Missão”, recebeu vários convites, dentre eles se tornou locutor. Em um projeto na Praça Costa Pereira, chamado “Sobre Mesa”, que acontecia em uma grande estrutura, todas as quartas-feiras ao meio-dia, ele era o Entertainer, que apresentava os músicos que cantavam, além de divertir àqueles que transitavam pela praça.
Mas o teatro sempre foi o foco de Wilson, que voltou a ser convidado por Milson Henriques e José Luiz Gobbi para encenar a peça “Hello Creuzodete III: A Perereca da Marly”, uma comédia infantil satirizando o conto Cinderela. Foi nesta mesma época que Wilson Nunes sofreu sua paralisia facial, duas semanas antes de estear a peça. Todo o lado esquerdo de seu rosto simplesmente parou, mas ele não deixou de estrear como Cacilda, uma das irmãs más da “Marly Cinderela”, fazendo uso da paralisia para composição da personagem. Como anteriormente, A Perereca da Marly fora outro grande sucesso.
Em 1999, Alvarito Mendes Filho retorna com o espetáculo Os Gatos do Beco, no mesmo período em que Wilson começou a dar aula de teatro na Escola de Teatro, Dança e Música FAFI, por convite do diretor e dramaturgo Erlon Paschoal.
No ano posterior, em 2000, Wilson estreou “Por Favor, Matem Minha Empregada”, dando vida a socialite Melani Marques. O texto era de Edilson Pedrini, que apresentou a peça à Wilson dentro de uma boate. No elenco, além de Wilson e Edilson, tínhamos Altair Caetano, Eder Faé, Flaviano Avilloni e Stael Magesck. O espetáculo era uma comédia besteirol que teve público recorde na época de 80.000 espectadores, tendo sucesso repetido em 2001. Em 2002 estreia “Por Favor Matem Minha Empregada 2”, com retorno de todos os atores do primeiro e acréscimo da atriz Alexandra Rosa. Em 2003, Wilson fica somente como diretor da peça infanto-juvenil “No Tempo do Vinil”, aonde descobre vários talentos como Higor Campanharo e Léia Rodrigues, que trabalha até hoje com Wilson. A peça é narrada por uma freira em uma escola de meninas, suas lembranças das alunas que por ali passaram e dos rapazes que elas vieram a conhecer. O sucesso foi tanto que ela ganhou o Prêmio de Melhor Peça infanto-juvenil no Festival Nacional de Guaçuí. Neste mesmo ano Wilson é chamado por Milson Henriques para dirigir “Filho Adolescente, Pais Aborrecentes”.
Em 2004, Wilson decidi adaptar a obra de William Shakespeare, “Romeu e Julieta... O Amor Venceu!”, para o palco do Teatro Galpão, voltando a atuar e dirigir nesse trabalho, ao lado de alguns talentos que ele descobrira em “No Tempo do Vinil”. Já em 2005, ele monta “Por Favor, Matem Meu Patrão”, onde fazia uma crítica, bem humorada, ao descaso das repartições públicas. Em 2006 ele iniciou a montagem de “Minha Sogra é de Matar”, uma releitura da peça “Minha Sogra 44”, com a introdução de uma nova personagem, A estreia aconteceu em 2007, sendo que ficou no ano anterior levando “Por Favor, Matem Meu Patrão” para outras cidades do Espírito Santo.
Mesmo com “Minha Sogra é de Matar” ainda em cartaz, em 2008 Wilson volta com Melani Marques, mas dessa vez ela incorpora Cleópatra na peça “Luz, Câmera... Cleópatra em Ação”. No enredo, Melani decide fazer um filme sobre Cleópatra, aonde ela é a personagem. Como em suas outras passadas pelo teatro, a peça se torna um verdadeiro sucesso e leva a Wilson fazer sua primeira Dobradinha Cultural encenando em um fim de semana “Minha Sogra é de Matar” e no outro “Luz, Câmera... Cleópatra em Ação”.
Wilson nunca negou a essência de seus espetáculos, que são besteirol, pois é isso que as torna verdadeiros sucessos.
Em 2009, Wilson é novamente convidado por José Luiz Gobbi, que agora encara a produção, e o multimídia Milson Henriques, para dirigir o conto infantil de Milson “O Bello e as feras”. A história fala sobre a imigração italiana no Espírito Santo e conta as aventuras de Bello, um italiano que decide se embrenhar na Mata Atlântica e se depara na disputa entre Dona Onça e Dona Jiboia, para descobrirem qual delas é a Rainha das florestas brasileiras, e para tal ambas precisam devorar um humano, no caso, Bello. Com a ajuda de uma linda Beija-flor, um macaquinho e um gambá, ele consegue se safar.
No ano de 2010, Wilson volta aos palcos atuando como Melani Marques novamente na peça “Minha Empregada é de Matar 3 – 10 Anos Depois...”. Dessa vez, a candidata a socialite decide se candidatar a Deputada Federal. A peça traz de volta vários atores da primeira montagem ao lado de novos atores e esteve em cartaz no Clube dos Oficiais, a partir do dia 26 de setembro de 2010 (domingo), as 19h30.
Wilson Nunes é um daqueles atores que estima por ser capixaba, sem pensar em fazer carreira fora do estado, e sua carreira ascende a cada novo trabalho que desenvolve, seja como apresentador, diretor, ator, descobridor de talentos ou mesmo dramaturgo, seus trabalhos encantam a todos que acompanham sua carreira. Um excelente profissional, que respeita a todos que trabalham com ele, desde o ator com quem divide a cena até mesmo ao contrarregra, ele trata a todos igualitariamente (posso falar por experiência própria!).
Aqui termino essa Mini-Biographia, deixando-os com os vídeos que tanto me ajudaram.