domingo, 27 de novembro de 2011

Seminário sobre o imaginário no século XIX

Nos dias 21 e 22/11/2011, aconteceu na faculdade que sou discente o VI Seminário de Pesquisa e Prática Pedagógica Saberes. Todos os anos, alunos – como eu – apresentam projetos de pequisa que estão desenvolvendo ou que já estão em finalização.
No dia 22/11. eu apresentei o que pretendo realizar como meu Trabalho de conclusão de curso (o famoso TCC). Este meu trabalho pretende abordar o imaginário do século XIX, tão rico de escritores que se encantavam com o fantástico, como Mary Shelley, Robert Louis Stevenson, Lord Byron, John Polidori, H. G. Wells, Edgard Allan Poe, Sheridan Le Fanu e tantos outros. Mas minha concentração fica em “Dracula”, escrita por Bram Stoker e publicada pela primeira vez em 1897.
A diferença de Drácula para as outras obras com referência ao vampirismo foi o sucesso arrabatador que fez e todo o mito que ronda sobre ele. De cavaleiro que combateu os turcos-otomanos no século XV, com o nome de Vlad Ţepeş, a monstro literário da litaratura do século XIX, a trajetória do personagem passa por um surto de pânico nas Europas Central e Oriental, culminando na exumação de vários corpos que foram mutilados, duas dissertãções por catedráticos da Igreja Cristã-Católica, inúmeros poemas, romances de suspense, peças teatrais, pesadelo, até a obra de fato. Apesar de ter conhecimento do sucesso que possuía em mãos, Stoker – acredito eu – não tinha ideia do quão sua criação poderia ser uma influência e ainda gerar mais mitos em cima do mito. Abaixo segue o texto do trabalho que apresentei e ao final disaponibilizo um vídeo para apreciarem (está meio escruto, mas dá para ouvir).

O fascínio pelo imaginário e fantástico no século XIX através da obra
de Drácula e a construção do seu mito
Drácula é o personagem-título do romance criado por Bram Stoker e publicado em 1897, se tornando o vampiro mais conhecido da modernidade e incitando no mundo a ideia de um ser poderoso e sem escrúpulos, capaz de qualquer coisa para saciar seus desejos. Seu inimigo, Van Helsing, o destrói se munindo de objetos relacionados à religião cristã-católica romana, como o crucifixo e a hóstia, além de usar o alho para afastá-lo e estacas para ataca-lo, crenças populares da Europa Oriental, região rica de mitologia vampírica. Mas antes de Drácula surgir ao final do século XIX, o mito do vampiro chegou a Europa Ocidental através de um surto de manifestações que levaram a investigações da igreja, que realizaram duas dissertações a respeito dos casos, assim como incitou o imaginário de muitos escritores que usaram o mito como base para suas obras.
Para melhor compreensão disso temos o caso de Arnold Paole, soldado sérvio que retornou para casa após um período de serviços prestados na Sérvia Turca, como era conhecido o exército daquela região. Ele comprou terras, se tornou agricultor e casou-se. Mas ele revelou a esposa que durante o período de serviços na Sérvia Turca fora atacado por um upirina[1], ao qual ele perseguiu até o cemitério e o matou. Comeu a terra do túmulo e cuidou das feridas com o sangue na intenção de se livrar dos efeitos do ataque, mas temia que ainda tivesse marcado, como uma maldição.
Paole então morre após um acidente, só que dias após sua morte um surto de visões começam a surgir e pessoas que disseram tê-lo visto, morrem. No 40° dia após sua morte, decidem desenterrar seu corpo. Acompanhados de dois cirurgiões militares, o povo da região aonde Arnold Paole residia abre seu caixão e o encontra como se tivesse sido enterrado há pouco tempo, somente com uma pequena camada de pele velha sobreposta a uma pele nova e com as unhas ainda crescendo. Eles estaqueiam o corpo do morto e ouvem um gemido, além de o sangue jorrar da ferida, mas não para por aí, pois as pessoas mortas, supostamente, por Paole, têm o mesmo fim. Em 1731, quatro anos após as mortes de Paole e suas supostas vítimas, uma jovem disse ter sido atacada por um homem chamado Milo, que havia falecido há pouco tempo. Desta forma o imperador austríaco nomeou o cirurgião Johannes Fluckinger para investigar o caso. Fluckinger se dirigiu a região de Medgevia, ao norte de Belgrado, aonde Paole havia nascido e residido e também local da aparição de Milo, para inspecionar o desenterro do corpo. Descobrindo-o em estado semelhante ao de Paole, foi ordenado o estaqueamento e a incineração do falecido. Numa busca pela resposta do motivo de uma pessoa ter se tornado vampiro depois de quatro anos, fora determinado que Paole houvesse “vampirizado” diversas vacas, sendo este o motivo do mais recente caso. Sendo assim, sob ordens do cirurgião nomeado pelo imperador, várias pessoas que haveriam falecido há pouco tempo foram desenterradas, estaqueadas e queimadas.
Essa pantofobia[2] relativa aos ataques de vampiros que tomou a região das Europas Central e Oriental foram abordadas pela Igreja Cristã-católica romana em dois trabalhos. O primeiro foi realizado em 1744 pelo arcebispo de Trani, região da Itália, Giuseppe Davanzati (1665-1755), que se chamava Dissertazione sopra I Vampiri[3].
Davanzati fora nomeado pelo papa Benedito XIV como patriarca de Alexandria quando a onda vampírica chegou à Alemanha. O bispo de Olmütz, Cardeal Schtrattembach, o convidou para participar das discussões acerca deste surto, que se originara com o caso de Paole, em 1727, daí então escreveu sua dissertação tendo como base os relatos deste caso e de estudo relacionados ao assunto.
Vampiri[4] era uma terminologia do vampir húngaro, que se originara do upír[5], e define o que Davanzati chamou de fantasia humana, com possibilidades de origem diabólica. Na sua argumentação, as aparições vampíricas se realizavam aos camponeses e analfabetos das classes mais baixas, cujo imaginário eram mais tendencioso do que para pessoas letradas. Mas sua dissertação foi superada pela do acadêmico francês Don Augustin Calmet, que escreveu em 1746 a Dissertations sur les Apparitions des Anges, des Démons e des Esprits, et sur les revenants, et Vampires de Hungrie, de Bohême, de Moravie, et de Silésie[6], que fora seu único trabalho a respeito do assunto.
Calmet, como acadêmico católico romano, havia lecionado Filosofia e Teologia na Abadia em Moyen-Moutier e trabalhara em um comentário maciço de 23 volumes sobre a Bíblia, além de tentar popularizar o trabalho de interpretação dela. O papa Benedito XIII chegou a oferecê-lo um bispado, mas ele recusou. A pesquisa de Calmet sobre os vampiros iniciou da mesma forma que a de Davanzati, por conta do surto de aparições que se iniciou em 1727 na Europa Oriental e se alastrou pela Alemanha. Na França não existiam relatos como aqueles, mas o acadêmico ficou impressionado com os detalhes dos testemunhos que corroboravam com a existência do vampirismo e não achava certo que fossem ignorados.
A definição de Calmet sobre os vampiros era que eles seriam pessoas mortas que retornavam de seus túmulos para perturbar os vivos, bebendo de seu sangue e, possivelmente, leva-los a morte. O único meio de eliminá-los seria desenterrando o corpo do suposto vampiro, cortando-lhe a cabeça, estaqueando uma madeira no corpo e queimando-o até que virassem cinzas. Mas Calmet tinha sérias críticas à histeria desenfreada que causou a exumação de vários corpos, aos quais achavam terem sido vampirizados, e suas mutilações. Também amainou o que Davanzati havia escrito sobre o fenômeno atingir somente as classes iletradas, referindo-se ao folclore popular das regiões, o parco conhecimento sobre as alterações dos corpos após a morte e sobre sepultamentos prematuros. Ao fim, Calmet deixa o assunto em aberto, não o concluindo, mas aparentando acreditar na existência de vampiros ao escrever “[...] que parece impossível não apoiar a crença que prevalece nesses países de que essas aparições na realidade provêm do túmulo e que são capazes de produzir terríveis efeitos tão difundidos e atribuídos a eles”[7].
Calmet, ao deixar em aberto a discussão sobre a existência ou não de vampiros, incentivou a busca por respostas a respeito deste ser folclórico que começara a se desenvolver na mente de poetas alemães, tanto que dois anos após a publicação de sua dissertação surge o poema Der Vampyr de Heinrich August Ossenfelder. Após a publicação de Ossenfelder, outros poetas alemães desenvolveram obras semelhantes, como Lenora de Gottfried August Bürger, Die Braut von Korinth de Johann Wolfgang von Goethe. Esses poemas chegaram a Inglaterra na década de 1790, quando William Taylor de Norwich traduziu Lenora para o inglês, que incentivou Samuel Taylor Coleridge a escrever Christabel em 1801 e Robert Southey que escreveu Thalaba the Destroyer.
Dois dos maiores incentivadores da literatura vampírica no início do século XIX foram Lorde George Gordon Byron e Percy Bysshe Shelley, tanto que em 1816, devido ao tempo que não permitia que transitassem pelas ruas de Genebra, Byron sugeriu que fossem escritos histórias de fantasmas para serem compartilhadas entre eles. Entre os convidados estavam, além de Shelley, Mary Wollstonecraft Goldwin, Claire Clairmont e John Polidori. As histórias começaram a ser escritas naquela noite e somente duas ganharam relevância após o encontro, uma delas fora escrita por Mary Goldwin, que mais tarde se casaria com Percy Shelley, e era intitulada Frankenstein. A obra se tornou extensamente popular, pois narrava um cientista que buscava descobrir como reanimar um corpo morto e quando conseguiu, este se torna um monstro, mas somente da ideia de infringir todas as leis da natureza, Mary Shelley, como é mais conhecida, conseguira imputar no imaginário humano a possibilidade de que a ciência era capaz de tudo, até mesmo dar vida aos humanos.
Outro membro da reunião que teve certo sucesso com sua obra foi John Polidori que escreveu o primeiro romance The Vampyre. A obra foi publicada em 1819 no New Monthly Magazine[8], e foi a primeira a gerar interesse dos ingleses pelos vampiros, antes somente interessantes para poetas. The Vampyre se tornou peça teatral na França e incentivou outros escritores a criar obras literárias sobre vampiros, como James Malcolm Rymer, que em 1840 publicou Varney, the Vampyre, e Joseph Thomas Sheridan Le Fanu que em dezembro de 1871 iniciou a publicação de Carmilla na revista Dark Blue[9] em quatro partes.
Carmilla contava a história de uma vampira que atormentava uma jovem e foi esta história a principal incentivadora para a criação de Drácula, pois depois de lê-la, Bram Stoker teve um pesadelo e iniciou o projeto para um livro sobre vampiros.
Impressionado com a abordagem do fantástico pelo escritor de Carmilla, Bram Stoker, que nessa época já havia escrito livros adultos e infantis, decide iniciar uma pesquisa.
Conforme descoberto pelo editor e pesquisador Marcos Torrigo e citado por ele na Introdução do livro “Drácula”, Bram Stoker aparentemente fez parte da Hermetic Order of the Golden Dawn[10], que buscava respostas sobre o imaginário que permeava o século XIX, e que possuía documentos que poderiam ser associados a Vlad Dracul[11], pai de Vlad Dracula, personagem-título da obra de Stoker.
Em um melhor entendimento sobre isso a necessidade do uso de um personagem da história da Europa Oriental na obra de Bram Stoker, cito Sandra Jatahy Pesavento que escreve sobre o imaginário:
“(As) representações teriam, na sua concepção, um fundo de apoio na concreticidade das condições reais da existência. Ou seja, as ideias-imagens precisam ter um mínimo de verossimilhança com o mundo vivido, para que tenham aceitação social, para que sejam críveis.” (S.J. Pesavento, 1995, p.22)
Dessa forma podemos compreender que Stoker ao usar Vlad, que também era conhecido como Vlad Ţepeş[12], busca criar alguma ligação com a realidade, já que este havia sido um sanguinário guerreiro da Igreja Cristã.
Com as informações sobre a família de Vlad e seu passou, e tendo como leitura o livro The Land
Beyond to the Forest
, de Emily Gerard, que narra com detalhes os costumes e tradições da região da Transilvânia, Bram Stoker desenvolveu sua obra. Ele junta as lendas do leste europeu, o envolvimento da Igreja na perseguição a estes seres demoníacos, um guerreiro romeno que lutou contra os turcos no século XV, para criar uma obra que influenciou – e ainda influencia – muitos trabalhos voltados para este tema, criando um mito que permeia o imaginário até os dias de hoje, pois como cita Roland Barthes em seu livro Mitologias: “O mito é um sistema de comunicação, uma mensagem.” (BARTHES, 2010, p.199), e Drácula funciona muito bem neste contexto, pois passa a mensagem da existência do vampiro dentro da sociedade vitoriana, abastecida pelo imaginário do fantástico com obras como Frankenstein de Mary Shelley e O Médico e o Monstro de Robert Louis Stevenson, que trabalham a ciência e o ocultismo lado-a-lado. Já o trabalho do mito e do fantástico desenvolvido por Bram Stoker se diferencia e dá mais destaque, pois busca em lendas que já vinham enriquecendo a literatura europeia sua base, usando uma região totalmente rica deste conteúdo, como a Transilvânia.
Bram Stoker não parece desconhecer o que criara, tanto que, com seu sócio e amigos, o ator Henry Irving, lança a peça Dracula, or The Un-dead no Lyceum Theater em 1897, no intuito de garantir os direitos sobre a obra, mas vinte e cinco anos depois, na Alemanha, o roteirista Henrik Gallen e o diretor Friedrich Wilhelm Murnau, apoiados por Albin Grau, diretor da Prana-Film, desenvolvem o filme Nosferatu, Eine Symphonie de Garuens[13]. O termo nosferatu vem do eslavo que significa portador de pragas. A locação se muda da Transilvânia para a cidade de Bremen, na Alemanha, e os nomes dos personagens se alteram, como Drácula passa a se chamar Conde Orlock, mas o filme é nitidamente baseado na obra de Stoker, o que trás problemas para a
película, que sofre um processo de direitos autorais e é ordenado que todas as cópias sejam queimadas, alimentando ainda mais o mito sobre Drácula.
O que alimenta o imaginário acerca de Drácula são todos os trabalhos midiáticos desenvolvidos com base na mitologia por trás da obra, como o sol, o espelho, os objetos religiosos (no plural mesmo), alho, rosas silvestres, sendo que alguns desses já foram desenvolvidos para o cinema, como o sol.
O mito do vampiro ficou mais enriquecido após a obra Drácula, escrita por Bram Stoker, e se tornou um fenômeno, mesmo tendo anteriormente escritores do mais diversos, se baseando neste folclore do leste europeu. Desmentindo Davanzati, podemos ver, com o crescente de obras sobre vampiros, que a influência do mito vai além do imaginário de um povo iletrado e camponês, podendo enriquecer-se na mente até mesmo de eruditos e assim construindo um mundo fantástico.

Referências bibliográficas:
BARTHES, Roland. Mitologias. 5 ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2010.
MCNALLY, R. T.; FLORESCU, R. Em busca de Drácula e outros vampiros. São Paulo: Mercuryo, 1995.
MELTON, John Gordon. O livro dos vampiros: A enciclopédia dos mortos-vivos. São Paulo: M.Books do Brasil, 2003.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Em busca de outra história: Imaginando o imaginário. Revista
Brasileira de História. São Paulo, v. 15, n. 19, 1995.
STOKER, Bram. Drácula. São Paulo: Madras, 2002.

[1] Termo servo-croata para definir vampiro.
[2] Temor mórbido de um mal desconhecido (HOUAISS).
[3] Dissertação sobre vampiros.
[4] Vampiro, em italiano.
[5] Nome dado ao vampiro pelos bielorrussos, tchecos e eslovacos.
[6] Dissertação sobre as aparições de anjos, demônios, dos espíritos e fantasmas e vampiros na Hungria, Boêmia, Morávia e Silésia.
[7] MELTON apud CALMET, 2003, p. 223.
[8] Revista inglesa criada por Henry Colburn em 1814.
[9] Revista inglesa criada por John Christian Freund em 1871.
[10] Ordem fundada em 1888 por Samuel Liddell MacGregor Masters que estuda ocultismo.
[11] Nobre que se tornou membro da Ordem do Dragão em 1431.
[12] Vlad, o Empalador, em romeno.
[13] Nosferatu, Uma sinfonia de horror, de 1922.
Seminário “O fascínio pelo imaginário e fantástico no século XIX através da obra de Drácula e a construção do seu mito”