domingo, 29 de março de 2009

Prole – Segunda parte

Continuando o conto dos primos viajantes do Interportal, vamos agora seguir viagem e ver no que eles se metem. Antes, leia a primeira parte:imigrantes-italianosDepois de tomarem café, os dois partiram para o bairro mais próximo, na parte de trás da charrete do dono da pousada. Assim que os deixou no ponto final do bonde, desejou-lhes boa sorte e partiu. Joshua e Miguel pegaram o primeiro bonde para o centro da cidade e quando ambos chegaram, Miguel foi o primeiro a se expressar:

- Mas que bosta é essa? O que aconteceu com o Centro?

- Miguel, estamos em plena década de 1940, você esperava o quê?

- Mas ta tudo diferente. Até mesmo a praça... Olha o teatro? Pra onde iremos agora?

- Bem, podemos ir para a rodoviária, talvez encontremos nonno por lá ou não. De acordo com o que você me contou tempos atrás, ele teve a ajuda de uma pessoa daqui para chegar ao norte do estado, onde conheceu nonna.

- Mas a Rodoviária é longe pra cacete. Nós saltamos aqui, teríamos que andar muito...

- Na verdade, eu desconheço onde era a Rodoviária, então temos de tentar chegar a Ferroviária!

- E como chegamos lá?

- Daquele modo! – E apontou para um charreteiro, que conversava com seus colegas.

Os dois foram até o condutor da charrete e Joshua explicou onde desejavam ir. Montaram na parte de trás da charrete e seguiram em frente. Durante o percurso, Miguel perguntou, em inglês, pois Joshua persistira no fato de seu primo ser estrangeiro:

- Why to go for the city of grandma?¹

- Because it will not better have way to find our grandpa.²

- Muito estranho isso. – falou o charreteiro. Aquilo fez com que Joshua despertasse, acreditando que o homem conhecesse inglês.

- O que, meu bom senhor?

- É que eu nunca pensei que um dia pegaria um estrangeiro na minha charrete. Lógico, já carreguei muitos italianos, até mesmo alemães, teve até um inglês, uma vez, mas nunca um americano. Vocês estão indo pra ferrovia, pra que?

- Precisamos ir pro norte do estado... Uns companheiros dele se encontram por lá.

- Espero que estejam cuidando para que não aja espiões naquelas colônias do norte. Sabe como é, estamos cercados aqui, no norte tem os italianos e no sul os alemães. Dissera no rádio que nenhum cuidado é pouco, então temos de prestar atenção em todos eles.

- O que o senhor sabe sobre a destruição das lojas dos alemães e italianos que moram aqui.

- Eu não sei de nada, só acho uma vergonha. Olha, achei horrível o que aconteceu com aquele homem, também, mas tenho muitos amigos aqui e sei que eles não têm nada a ver com o acontecido. Moram aqui há tanto tempo, que seria impossível ter alguma culpa. Mas tanto no sul, quanto no norte, sempre chegam novos imigrantes. Desses sim, eu desconfio. Sem contar que me falaram que lá eles falam na língua nativa deles, assim ninguém entende. Pode um troço desses? – Joshua balançou a cabeça, em negação. Miguel ficara quieto, fingindo que nada entendia:

- How much time still I go to have to dissimulate that I do not understand nothing?³ - Miguel falou, a certa altura.

- Until arriving the train station.4 – Quanto atravessaram a última ponte, avistaram a estação a distância. Depois de pagarem ao charreteiro, seguiram a pé para a estação e a virão abarrotada de pessoas:

- Carai, isso aqui é mais movimentado que o Aeroporto.

- Pense assim, não teremos um aeroporto até a década de 1940, então as pessoas viajavam de trem ou navio...

- E ônibus! – impôs Miguel.

- Como?

- Não é porque você não sabe onde fica a rodoviária, que as pessoas não viajavam de ônibus. Talvez fossem poucos, mas tinha de acontecer... – Ignorando o questionamento de Miguel, Joshua prosseguiu:

- Precisamos comprar nossas passagens.

- Há! Eu sabia! – Gritou Miguel, chamando a atenção para ele.

- Para com isso, Miguel! Temos de tentar passar despercebidos. – Disse Joshua, num tom quase inaudível, e seguindo o exemplo do primo, Miguel falou:

- Não adianta, cê não vai admitir que estava errado, vai?

- Admitir o quê, Miguel? Você pirou? – reclamou Joshua, em um tom baixo.

- Que você estava errado, que existe transporte rodoviário nessa época.

- Miguel, você é louco. – resmungou Joshua, aborrecido. – Eu já não falei que não sei aonde era a rodoviária nessa época. Eu não sou onisciente, não sei de tudo. Procurei sobre transportes interestaduais dessa época, mas somente encontrei o ferroviário. Me dá um tempo. Vou comprar as passagens. – E saiu, pisando firme, com um Miguel que se sentia glorificado, atrás dele.

Tiveram de esperar um longo tempo até a saída do próximo trem, que somente saía à noite. Enquanto isso, ambos conversaram sobre o avô:

- Por que mesmo que o nonno não lhe ensinou italiano? – Miguel iniciou a covenrsa.

- Ah, você não me perguntou isso... Na verdade, ele somente iria ensinar para Abel, mas você é intrometido...

- É verdade. Abel sempre foi o preferido do nonno. Nonna sempre teve preferência pela Milena...

- E você pelas amigas dela. – Pontuou Joshua.

- O que posso fazer se ela tem amigas lindas. Mas não muda de papo, por que você não tinha você como preferência. Sempre foi o mais inteligente, um verdadeiro prodígio. Poderia ser um mimado, por ser filho único, mas não.

- Miguel, você sabe o motivo! Não vamos entrar nesse assunto. – Respondeu Joshua, um pouco nervoso.

- Pô, Joshua, juro que não. Lembro que sempre íamos à sua casa, pra visitar madrinha, mas não lembro o motivo disso...

- Porque nonno não gostava de papai, satisfeito. – Falou Joshua entre os dentes, para não chamar a atenção, mas com raiva.

- Ei, calma, véi. Não queria te magoar, só puxar uma conversa. – Meio que ignorando o primo, Joshua continuou o relato:

- Nonno nunca concordou com o namoro de mamãe e papai. Lembro dela me contar que os dois brigavam muito...

- Madrinha te contou isso?

- Lá em casa não escondemos nada, Miguel. É uma política criada por papai, pois uma vez mamãe precisou sair correndo com nossa a avó e Tia Francesca e não deu tempo de avisar a papai, então quando ele chegou lá, nonno inventou que ela estava saindo com um amigo de tio Luppino. O lance é que papai não deu crédito ao que nonno falou, pois sabia da falta de apreço por ele. Daí por diante, os dois criaram um código de honra, no qual não mentiriam entre si.

Quando papai foi pedir a mão de mamãe em noivado, nonno se recusou terminantemente, expulsando papai de sua casa a base de empurrões...

- Carai, eu desconhecia esse lado do nonno.

- Duvido, por várias vezes madrinha chegou lá em casa, falando que nonno lhe tratara a base de bordoadas, devido sua curiosidade indomável.

- Ah é, nossa acho que bloqueei isso! Ah, mas pelo menos aprendi coisa pra carai sobre a família. Era foda ser somente o Abel o preferido porque era filho de tio Luppino, o primo uomo del figlio, sendo que madrinha nasceu antes de todos.

- Mas mamãe nunca aceitou as imposições de nonno. Quando ele expulsou papai da casa, ela foi atrás dele e a partir daí, os dois moravam na mesma casa, mas não se falavam. Quando meus pais se casaram, quem a levou até o altar foi tio Giácomo, que se tornou meu “avô”, pois sempre me visitava, para depois contar a nonna, como nós estávamos.

Nem quando eu nasci nonna pode ir à maternidade nos ver, somente foi madrinha, sua mãe, e tio Giácomo, mais ninguém. Todos se afastaram menos madrinha. Quando nonno adoeceu, mamãe quis ir visitá-lo, mas madrinha lhe disse para não fazê-lo, além de papai e tio Giácomo. Depois então começamos a voltar à casa de nonna, mas a aceitação demorou. Por papai nunca teríamos voltado, mas ele fez isso, por mamãe.

- Mas isso acabou e agora vocês agora freqüentam a casa de nonna, sem nóias. Mas to impressionado com o nonno, pô se madrinha curtia ficar com padrinho, por que encrespar?

- Por causa das origens da família de papai. Nonno achava que mamãe deveria se casar com alguém de raízes iguais a dele, desde que não fosse siciliano. Papai não possui descendência italiana, a descendência dele é portuguesa e era isso que nonno não conseguia respeitar. Você sabia que quando tio Giácomo se casou com tia Bianca, nonno e ele pararam de se falar?

- Como cê sabe dessa história? – Perguntou Miguel, surpreso.

- Titio me contou. Tia Bianca tem descendência indígena, acho que isso é óbvio, e quando tia Margareth, irmã de nonna, foi deixada pelo italiano que sumiu, nonno quis que tio Giácomo e ela ficassem juntos, mas um amigo de titio, disse para ele batalhar por aquilo que queria...

- Tio Giácomo tinha amigos aqui no Brasil?

- Ele fez um amigo, ao que parece, já que nonno só estava interessado no namorado de tia Margareth, se tornaram grandes amigos, pois aparentemente ele tinha vindo de Calábria, também.

- Caramba, e eu pensei que sabia de mais coisas que você.

- Mas tio Giácomo e eu conversávamos muito, ou melhor, ainda conversamos. Como eu disse, ele era meu nonno. Eu ainda chamo a ele e tia Bianca assim. Titio diz que nonno sempre foi assim, preferia aos amigos do que a família, mas quando a coisa era relações pessoais, ele sempre tinha preferência pela união de italiano, sendo bem preconceituoso...

- Joshua! – Repreendeu Miguel.

- É verdade Miguel, nonno sempre foi preconceituoso com outras nacionalidades, um bom exemplo foi o que fez com tia Bianca e com meu pai. Ele se afastou de tio Giácomo e mamãe...

- Mas perdoou tio Giácomo, então provavelmente perdoaria madrinha. – Joshua dá uma boa gargalhada, mas não desperta atenções para ambos.

- Você não sabe de nada mesmo, não é? Nonno não perdoou tio Giácomo, ele precisou dele.

- Como assim? – Perguntou Miguel espantado.

- Você sabia que nonno teve problemas financeiros com a cantina, quando a abriu? Ficou devendo muitas pessoas e tal, por isso se mudou com nonna. Mesmo fugindo pra cá, com pouco dinheiro, deixou os problemas para trás, como não tinha muitos amigos, recorreu à única pessoa que tinha. Tio Giácomo estava indo bem com a plantação de café, então foi quando nonno quebrou o pacto de silêncio que havia feito com titio e lhe pediu ajuda. Titio arcou com todas as dívidas e ainda ajudou nonno a se estabelecer, ficando sócio dele na padaria. Quando tio Luppino tinha idade o suficiente para ser sócio de nonno, ele pediu a tio Giácomo para ceder à sociedade para os dois e foi o que titio fez, sem reclamar. Diferente de nonno, tio Giácomo sempre se preocupou com a família.

- Cara, acho que cê ta pré-julgando o nonno rápido demais. Pô, é só a palavra de tio Giácomo.

- A única figura mais próxima de um avô que eu já tive. – Com essas últimas palavras, Miguel não podia dizer muito. Os dois ficaram em silêncio, até a chegada do trem, quando embarcaram, foi então que o destino cruzou z vida de ambos:

- Carai, nem em um milhão de vidas eu acreditaria que isso fosse possível. - proferiu um assustado Miguel.

- Do que está falando Miguel. – Mas este não precisou dizer mais nada, quando Joshua direcionou o olhar para o mesmo local de seu primo, lá estavam duas figuras, trajando as mesmas roupas que eles e pareciam discordar de algo.

- O que fazemos agora? – Indagou Miguel. – Falamos com eles ou não?

- Melhor não, vamos deixá-los embarcar e... – Quando Joshua prestou atenção, seu primo tinha lhe ignorado e ido na direção dos dois italianos:

- Olá, posso aiutarlo?5 – Perguntou Miguel.

- Ah, un italiano. Infine qualcuno che possa fidarsi di. Dice il giovanotto, questo treno a me sta andando verso il nord del dichiarare?6 – Perguntou um dos italianos, que parecia mais apreensivo do que o outro.

- Sì, dire verità, io ed il mio cugino andanti per là, anche.7 – Respondeu Miguel, enquanto Joshua se aproximava.

- Non ho detto Giancarlo, ora io vado, noi che devo imbarcarmi.8 – argumentou o outro.

- O que estão falando? – Questionou Joshua ao se aproximar.

- Ora, um brasileiro. – Comentou um dos italianos, espantado. Meu nome é Giácomo. Como tu chamas?

- Me chamo... Josué e este é Miguel. – Disse Joshua, apontando para o primo.

- Il vostro cugino dice il portoghese?9 – Inquiriu Giancarlo, parecendo nervoso com aquilo.

- Sì, è stato sopportato qui, ma sono venuto di Calabria. Vocês è di dove?10 - Joshua olhou com certo espanto para o primo, mas passou despercebido, pois Giácomo e Giancarlo concentraram os olhos em Miguel.

- Calabria? La destinazione in loro ha sorriso oggi due volte. In primo luogo a quello in loro per presentargli un italiano ed in secondo luogo affinchè siano calabrese. Siamo di Calábria, anche. Ma perchè il relativo cugino è brasiliano e voi non?11 - Antes da conversa continuar, Joshua puxou o primo em um canto e o argüiu:

- O que pensa que está fazendo? Eu ouvi você dizer que a palavra Calábria?

- Pô, é a minha chance de nonno me dar atenção, Joshua, você não entende?

- E era por isso que você queria vir, para ganhar mais atenção do nonno?

- Peraí, cê que quis vir pra cá, por mim teríamos tentado ir pra Aiarp. Estamos aqui por sua causa, então me deixa aproveitar... – Antes que pudessem continuar, foram interrompidos por Giácomo:

- Perdoem-me, mas acredito que precisamos embarcar. – enquanto Miguel seguiu em frente, Giácomo ficou para trás, olhando para Joshua. – Me diga uma coisa, você aparenta ter poucos traços italianos, há quanto tempo tua família reside por a cá?

- Há bastante tempo. A família de minha mãe veio com os primeiros imigrantes italianos, meu pai a conheceu, mas meu nonno não gostava muito dele, devidos suas origens brasileiras.

- Acredito que tu passarás pelo mesmo com meu irmão. Ele tem uma certa aversão a outras nacionalidades...

- Como aprendeu português? – Questionou Joshua, mesmo sabendo da história.

- Ah, com uma ex-namorada, quando decidi residir em Lisboa, durante uns tempos. Ela tinha lindos olhos, cor de avelã, cabelos negros e sedosos. Inesquecível! Precisei aprender o português, e lhe ensinei o italiano. – Joshua ouviu a história, com um olhar nostálgico. – Algo lhe aconteceu?

- Não. – Disse, enxugando as lágrimas que pré-brotavam de seus olhos. – Só me recordei de uma ex-namorada. Bem, vamos? – E embarcaram no trem. Durante a viagem, Miguel e Joshua permaneceram juntos, lado a lado, conversando sobre o encontro fortuito:

- Por que você fez aquilo? – Contestou Joshua, primeiramente.

- Pra que esperar? Nós viemos para conhecer o nonno, então se tivemos a sorte de esbarrar com eles na estação, acho que fiz o mais correto.

- O lance é que você sempre é impetuoso, sempre age antes de discutir a situação.

- Ah, qualé Joshua, viva a vida um pouco mais. – Quando terminou de falar, visualizou Giancarlo vindo na direção deles. – Agora e melhor deixar pra lá, nonno, ou melhor, Giancarlo está vindo para cá.

- Olá. – Disse Giancarlo, ao se aproximar. – Miguel, potremmo andare per il ristorante del vagone?12

- È chiaramente, Giancarlo!13 – Se virou para Joshua. – Depois a gente se fala! – E sai, ao lado de seu futuro avô. Enquanto andavam, em direção do vagão-restaurante, Giancarlo começou a conversa com Miguel:

- Dove mese siete arrivato al Brasile, Miguel?14

- Amperora, ha un tre mesi che sono arrivato qui. Io miei genitori avevano trovato più meglio, a causa della guerra. Non hanno desiderato che ho rinviato all'esercito.15

- Di quale provincia era venuto?16

- Catanzaro. Io miei genitori hanno avuti una piccola casa seguente il comune di Taverna.17

- Capisco. Siamo della Reggio Calabria, di comune di Cardeto. Inoltre siamo venuto a qui a causa della guerra. Il nostro padre non ha desiderato che noi viessemos da fare parte dell'esercito di Mussolini. Ma siamo venuto da solo, che caso non è relativo. Dove sono i relativi genitori?18

- Amperora, avevano ammesso l'amministrazione di una locanda dei miei zii, i genitori di Josué. Il mio padre è nella presenza, mentre la mia madre prende la cura della cucina, con la mia zia, oltre essere il camareira.19

- Italiani legittimi, se abbassando i brasiliani, per potere sopravvivere. Attendo che questo non accade mai con me. Intendo conoscere una italiana e sposarla esso e sopravvivere per il mio cliente adeguato. Forse apre uno spaccio di bevande o qualche cosa di simile.20

- Non degradano i brasiliani. La mia zia è discendente degli italiani mai non ha curato i miei genitori poichè gli impiegati, per l'opposto, noi vivono molto bene. Abbiamo nostra stanza adeguata e posso studiare, senza avere bisogno di non chiedere soldi a nessuno, quindi guadagnano quello adeguato, con lavoro duro.­21 – O último comentário de Giancarlo pareceu ofender Miguel, que permaneceu quieto, enquanto bebiam café. Quando ambos retornaram para o vagão de passageiros, Miguel sentou-se ao lado de Joshua, enquanto o italiano seguiu até a sua poltrona:

- Tô muito decepcionado com nonno, Joshua. – Espantado, Joshua inquiriu:

- Por que, o que houve? O que vocês conversaram?

- Cê tinha razão, nonno é um tremendo preconceituoso...

- Miguel, o que vocês dois conversaram? – Interpelou Joshua, apreensivo.

- Criei uma história de que meus pais trabalhavam para os seus, numa pousada. Ele disse que ambos estão se rebaixando aos brasileiros. Que pretendia conhecer uma italiana, desposá-la e montar seu próprio negócio. Velho bastardo, mal sabe a merda que vai se meter...

- Calma Miguel, como disse, nós viemos para conhecê-lo, não para ofendê-lo.

- Pode deixar, não vou mudar a história. Como você e o professor disseram, seria impossível, não?

- Bem, impossível não seria, mas criaria uma vertente, uma nova dimensão, só que eu não quero voltar – ou talvez não voltar – ao nosso tempo e encontrar coisas mudadas, entendeu?

- Não vou fazer nada, pode deixar. Não sou nenhum Marty McFly. – Com isso ficaram em silêncio até chegaram à estação que desembarcariam. Assim que isso aconteceu, Giácomo e Giancarlo se aproximaram de ambos. Foi Giácomo que iniciou a conversa:

- Pelo que vejo, todos desembarcamos na mesma região.

- Quando nossa família chegou ao país, desembarcou aqui. Viemos para conhecer o local que nossos parentes viveram. – Respondeu Joshua. – E vocês, por que vieram para cá?

- Ficamos sabendo que esta é uma região promissora. Que as terras desta cidade são bem férteis, então decidimos nos estabelecer por a cá. Bem, espero que possamos nos ver novamente, pelo jeito a cidade é boa para isso.

- E por que nos separarmos, podemos residir no mesmo lugar. Olha, eu tenho um pouco de dinheiro, podemos ficar na mesma pousada.

- Seria excelente, eu e meu irmão... – Neste instante, Giancarlo interrompe:

- Su che cosa stanno parlando?22

- Josué dentro contribuirà a pagare loro una stanza in una locanda.23

- Preferisco dormire al relento. Se ora accettargli il sussidio, saremo dipendente di esso. Andiamo cercare per gli italiani che nell'aiuto loro. Miguel, sarà benvenuto seguire con noi.24 – Miguel, irado ao entender a conversa, rebateu de forma agressiva:

- Se preferisce dormire al relento, quando un umano offre il sussidio esso, allora è, ma non offre me lo stesso, ancora più quando il mio cugino lo ha aiutato sempre quando ho avuto bisogno di. Giácomo, se desiderare essere con noi, sarà benvenuto.25 – Todos se assustaram com a forma de falar de Miguel, até mesmo Joshua, que já havia conhecido aquele lado do primo e mesmo não entendo o que falava, sabia que aquilo havia sido um ataque:

- Miguel, has calm. I don’t know what you it said and nor, you have of if keeping calm.26

- Joshua, it was to offend you again. It said that it would prefer to sleep to the outdoors of what to accept its aid, as you waited that I reacted?27

- Que linguajar é esse que se falam? – argüiu Giácomo. Artodoado, Joshua se retomou:

- Ah, é inglês. Eu aprendi inglês por causa da pousada e ensinei ao meu primo...

- Assim ninguém entende a vocês, não é?

- Não. – Respondeu assustado. – Como trabalhamos na pousada e neste período de guerra, meu pai achou que seria necessário aprender inglês, contratou uma professora, uma inglesa, e ela me ensinou. Quando Miguel chegou ao Brasil, decidi lhe ensinar português e inglês.

- Em três meses? Ele até que aprendeu bem.

- A prática leva a perfeição, já dizia meu tio. – Contrapôs Joshua, sem pensar.

- Seu tio é um sábio, pois esse também é um ditado que eu sigo. - Joshua ruborizou, ao perceber o que havia mencionado. – Bem, não posso abandonar meu irmão. Se ele não deseja ficar com vocês, devo seguir com ele. Quem sabe nos veremos por aí, já que a cidade parece pequena, vejo possibilidades de isso acontecer. – E cada grupo seguiu por um caminho, com um Giancarlo atordoado pela reação de Miguel, que seguiu enfurecido, ao lado do primo.

Traduções (via WorldLingo):

1 – Por que ir para a cidade de nossa avó?

2 – Porque não teremos melhor maneira de encontrar nosso avô.

(...)

3 – Quanto tempo eu ainda vou ter de fingir que não entendo nada?

4 – Até chegarmos a estação de trem.

(...)

5 – Olá, eu posso ajudar-lhe?

6 – Ah, um italiano. Finalmente alguém em quem confiar. Diga-me, rapaz, você pode me dizer se este trem está indo para o norte?

7 – Sim, para dizer a verdade, eu e o meu primo aqui estamos indo, também.

8 – Eu não disse Giancarlo, agora vamos, precisamos embarcar.

9 – Seu primo fala português?

10 – Sim, ele nasceu aqui, mas eu vim de Calábria. Vocês são de onde?

11 – Calábria? O destino nos sorriu duas vezes hoje. Em primeiro lugar ele nos presenteou com um italiano, em segundo lugar você é um calabrese. Nós também somos de Calábria. Mar por que seu primo é brasileiro e você não?

(...)

12 – Miguel, nós poderíamos ir ao Vagão-restaurante?

13 – É claro, Giancarlo!

14 – Em que mês chegou ao Brasil, Miguel?

15 – Ah, tem uns três meses que chegamos aqui. Meus pais acharam melhor, por causa da guerra. Não queriam que eu entrasse para o exército.

16 – De qual província vocês vieram?

17 – Catanzaro. Os meus pais tinham um casebre na comuna de Taverna.

18 – Eu entendo. Nós somos de Régio Calábria, da comuna de Cardeto. Nós também viemos para cá por causa da guerra. Nosso pais não queria que entrássemos para o exército de Mussolini. Mas nós viemos sozinhos, ao contrário de você. Onde estão seus pais?

19 – Ah, estão trabalhando na administração de uma pousada dos meus tios, pais de Josué. Meu pai ajuda na portaria, enquanto minha mãe cuida da cozinha, com minha tia, além de ser camareira.

20 – Italianos legítimos se rebaixando aos brasileiros para poder sobreviver. Eu espero que isso não aconteça comigo. Eu espero conhecer uma italiana e me casar com ela e sobreviver por minha própria conta. Talvez abra uma cantina ou alguma coisa parecida com isso.

21 – Os brasileiros não nos desonram. Minha tia é descendente de italianos e nunca tratou meus pais como empregados, pelo contrário, nós vivemos muito bem. Nós temos nosso próprio quarto e eu posso estudar, sem ter a necessidade de pedir dinheiro a ninguém, pois ganham o suficiente, com trabalho duro.

(...)

22 – Sobre o que estão falando?

23 - Josué disse que pagará quarto para nós numa pousada.

24 – Prefiro dormir ao relento. Se aceitarmos a ajuda, ficaremos dependentes deles. Vamos procurar outros italianos para nos ajudar. Miguel será bem-vindo a vir conosco.

25 – Se prefere dormir ao relento quando um ser humano lhe oferece ajuda, então tudo bem, mas não me ofereça o mesmo, ainda mais quando meu primo sempre me ajudou que eu precisei. Giácomo, se quiser vir conosco, será bem-vindo.

26 – Miguel tenha calma. Eu não sei o que você disse e nem ele, mas você precisa se manter calmo.

27 - Joshua, ele te ofendeu novamente. Disse que preferia dormir ao relento a aceitar sua ajuda, como você esperava que eu reagisse?

Agora leia a terceira parte.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Prole- Primeira parte

Em uma tremenda necessidade de dar continuidade aos conto de “Em Busca de Conhecimento”, decidi por reescrever o segundo conto, Prole. Para não faltar com a verdade com os nosso veteranos da Segunda Guerra Mundial, preferi seguir em frente e mudar um pouco a linha de raciocínio deste conto.

Miguel e Joshua ainda vão em busca de suas heranças no passado, mas desta vez eles não vão para a guerra. Permanecem no Brasil, encontram o avô e as coisas tomam um rumo diferente. Leiam, apreciem e opinem, agradando ou não:

monumento.imigrante.italiano2

Discesa

Passaram-se dois meses desde a viagem de Joshua e Miguel ao universo de Aiarp. Apesar de Joshua raramente confessar (somente sobre pressão feita pelo primo), Miguel sabia o quanto ele sentia falta de Alicsirp e o que mais o aborrecia era a falta de sociabilização do primo:

- Pô, ficar de casa pra universidade e vice-versa num dá certo, Joshua. Cê tem de experimentar alguma coisa nova, não adianta ficar se lamentando.

- Eu não estou me lamentando! Estou fazendo o que eu sempre fiz, estudando, estagiando e indo pra casa, o que há de anormal nisso? Minha vida não precisa mudar só porque viajei para outro mundo. – Argumentou Joshua.

- Você sabe do que eu to falando. Você sente falta dela, já admitiu várias vezes... Tá, eu fiz uma pressãozinha, - contrapôs ao olhar reprovador por trás dos óculos. – mas já confessou. O teu chefe e professor – enfatizou. – já disse que o viu, várias vezes, em frente do Interportal desligado...

- É, pois é, sinto falta dela mesmo, - declarou, observando Miguel erguer os braços, como se louvasse o céu. – mas não vou me deixar ser tragado pelo Interportal para poder parar em outro lugar. Lembra o que Fred falou? Desde que havíamos sumido ele deixou a máquina ativa, mesmo quando as luzes eram apagadas do laboratório, pois se fosse desligado, seria impossível ele nos encontrar. Foram várias tentativas de que encontrássemos a corda, ele colocava de manhã e tirava quando sentia o corpo cansado. Foram três meses nesse processo. Se ele tivesse nos deixado, provavelmente eu hoje estaria morto...

- Até parece que eu ia deixar isso acontecer, aqueles anões nunca encostariam em você... Mas tudo bem, você não quer entrosar, mas isso não quer dizer que eu desisti de tentar. – E temporariamente, encerraram o debate.

Joshua contara a Miguel sobre a conclusão que chegara sobre Ocirederf e o professor Fred, dias depois de seu retorno:

- E aí, conseguiu falar com o eremita da ciência? – indagou o primo, como fazia há três meses, após a volta deles. O apelido surgira porque Fred contou que havia passado os dois meses e meio dentro do laboratório, sem contato com o mundo de fora, a espera do retorno deles, o mais interessante é que ele gostara tanto daquilo que decidiu que o único contato que teria daquele dia em diante seria com Joshua e, de sobra, Miguel: - “Cê é um verdadeiro eremita da ciência!”, enunciou Miguel, após a revelação, então era assim que ele agora se dirigia a Fred:

- Não consigo, por mais que eu tente. – relatou Joshua ao primo. – Quando começo a falar o que aconteceu, ele diz: - “Atenha-se aos fatos relevantes, como a cultura e os costumes. Sua história foi um acontecimento infortúnio, do qual certas partes não precisam ser relembradas.”, daí não falo mais nada. Ele sempre se esquiva.

- Carai, que cara complicado. Deixa eu contar pr’ele?!

- Não. – restringiu-o. – Você seria abrupto e indelicado... Exatamente, te conheço não é de hoje. Você seria capaz de chegar a ele e simplesmente falar: - “Professor, você morreu!”, sem dar chance dele se preparar, ou mais, colocando ele numa posição desconfortável. Nesse caso, é preferível a ignorância a uma verdade da qual eu nem tenho certeza que é real. – respondeu aos gestos de ingenuidade e surpresa simulada de Miguel.

Os dias seguintes seguiram cotidianamente, até que Fred surge de sua sala, no final de uma tarde:

- Vou precisar de ambos! – Ele intimou, deixando-os perplexos.

- De mim também? – inquiriu Miguel, surpreso.

- Lógico Miguel, como os dois foram bem sucedidos na viagem pelo Interportal, e as narrativas de Joshua foram enriquecedoras, gostaria que os dois fizessem uma nova. Andei experimentando viagens controladas, em simulações no computador. Elas foram excelentes. Acredito que poderei encaminhá-los para um período mais distinto, ou mesmo uma dimensão. Então, estão dispostos?

- E nossa família, professor? – indagou Joshua.

- Bem, diremos a eles que vocês farão uma viagem, com minha autorização e que provavelmente estarão sem comunicação. Não é uma mentira, mas uma omissão da verdade...

- Ta massa então, - estorvou Miguel. – bem vamos escolher...

- Nossas origens! Quando nosso avô veio para cá! – Disse Joshua, antes que Miguel finalizasse o que tinha a dizer.

- Bem, eu pensei que gostaria de voltar àquele universo, Joshua? – exprimiu surpresa, Fred.

- Eu também! – Vociferou Miguel. – Qualé o lance Joshua?

- Por mais que sejamos enviados a Aiarp, não temos certeza de onde pararemos. Apesar de eu ter feito aquela tabela dos ciclos de Aul, não temos certeza em que período, numa contagem de tempo, eles vivam.

- Tem razão Joshua. – asseverou Fred. – Eu poderia mandá-los muito a frente ou simplesmente ao princípio, completamente estranho a nós! Mantendo-os neste plano universal, tenho certo controle sobre o período do tempo. Quanto ao espaço, ele precisa...

- Ta, tá, nós sabemos, - atalhou Miguel. – ele precisa dar-nos sustentabilidade e condições de sobrevivência, Joshua já me fez este discurso antes, quando você nos deixou aqui sozinhos, propositalmente...

- Pode até ter sido proposital, pois eu ansiava por sua curiosidade Miguel, mas eu não podia presumir que vocês parassem em um universo paralelo e que demorassem tanto para o retorno. Agora terei certo controle para enviá-los a um período mais correto. – Legitimou Fred. – E manterei o Interportal aberto, como antes.

- E quando vamos? – interpelou Miguel.

- Amanhã. – assegurou o professor. – Assim terão tempo de conversar com seus familiares. Digam que é uma viagem de conhecimento.

- Este argumento eu gostei! – proferiu Miguel.

- Mas será que titia vai entender o motivo de você ir comigo Miguel? – inquiriu Joshua.

- Ah, mamãe sempre entende que eu te protejo Joshua. – Pontuou. – Então duvido que tenha algum problema eu ir contigo.

- Só não entendi uma coisa. – contestou Joshua. – Por que essa ansiedade por outra jornada? E será que não vamos interromper o fluxo temporal, indo ao passado?

- Não há como interferir Joshua. Essa é uma teoria criada pelo cinema. Se você está no passado, era necessário que você estivesse lá para a seqüência correta do fluxo temporal acontecesse, ou você acha que o Professor Emmett Brown não se lembrava que havia conhecido Marty McFly?

- Quem? – argüiu, espantado, Miguel.

- Vai me dizer que nunca assistiu De Volta Para o Futuro?

- Assistiu sim, professor, ele está de implicância com o senhor. Mas existe a interferência de Marty, fazendo a realidade dos pais dele alterar.

- Não exatamente Joshua. Você está colocando tudo numa simples linha universal e dimensional.

- Lógico! – Concluiu Joshua. - Se pensarmos em linhas multiversais e multidimensionais, Marty McFly foi colocado em um continuum onde era necessário e retornou ao presente deste, não interferindo em nada, só fazendo acontecer o necessário.

- Exato. Todas as viagens que ele faz não são temporais, mas sim multiversais. – completou o professor.

- Blá, blá, blá... Chato, chato, chato! – grasnou Miguel. – Carai, vocês dois são chatos! Tá, eu vi o filme, mas o legal é o lance de viajar no tempo e interferir nele. Pô, agora traumatizei, nem vou mais assistir o filme, porque vou ficar pensando nesse lance de multiverso e multidimensional que vocês falaram. Vamos nessa Joshua, to até com dor de cabeça. – Miguel pegou a mochila e começou a balbuciar coisas, enquanto saía. Joshua sacudiu os ombros e foi atrás do primo, correndo.

No outro dia, a ansiedade era a expressiva nos dois. Durante um intervalo mais longo, Miguel foi ao prédio onde o primo estudava e o tirou de sala:

- Miguel, esta aula de Física Quântica é muito importante para mim!

- Ah, cê é gênio, tira de letra! – gracejou. – O que você acha que vamos encontrar?

- Não sei, mas pelo menos torço para que conheçamos o vovô. Trouxe um óculos antigo dele. O grau é mais forte que o meu e a armação é bem pesada. Pelo menos não vou chegar com um aro fora do padrão da época. O que você trouxe?

- Ah, mamãe guarda umas roupas velhas do vovô, então eu trouxe um terno. Ela disse que ele chegou aqui o vestindo.

- Eu também trouxe um. Mamãe disse que pertenceu ao nosso tio-avô Giácomo. Eu cheguei a experimentá-lo, mas ele ficou largo e grande.

- Ta aí, a gente pode trocar. Nas fotos de família, tio Giácomo sempre aparentou ser mais alto e mais forte que o vovô.

- Então está combinado, agora me deixa voltar para a aula. Nos vemos no laboratório. – E saiu na direção da sua sala de aula. Vendo o primo retornar, Miguel também se retirou, remoendo as idéias.

No final da última aula, Miguel disparou na direção do laboratório, onde Joshua já se encontrava, auxiliando o professor Fred com os preparativos. Ele transformara suas duas últimas aulas em crédito, com seu trabalho no centro laboratorial, graças ao prestígio de Fred naquele centro. Quando chegou a sala do professor, o primo o esperava na porta:

- Cadê o terno? – perguntou Joshua.

- Tá dentro da mochila, mas vamos lá dentro, pois não quero pagar micão com essa velharia. – Então entraram e Fred saiu do seu escritório, que ele transformara em campo de provas:

- Troquem suas roupas e depois vamos ao Interportal. – Os dois trocaram de mochilas, quando Joshua ia se dirigindo à porta que dava para o corredor, Miguel interveio:

- Não tem banheiro aqui, não?

- Desde quando alguma sala daqui tem banheiro Miguel? – argumentou Joshua, abrindo a porta.

- Cê tá de sacanagem! Eu não vou desfilar por aí com roupa do meu avô!

- Sua roupa é do nosso tio-avô!

- Piorou. – Crocitou. – Tenho certeza que é mais feia que a do vovô! Ele era mais velho...

- Como era mais velho, ô anta... – disse Joshua, aborrecido. – Os dois eram gêmeos, só que tio Giácomo era mais alto.

- Já te falei pra parar de me chamar assim. – encolerizou Miguel. – Vovó sempre dizia que tio Giácomo nascera duas horas antes do vovô, isso o coloca mais velho.

- Nossa, que grande diferença! – Desdenhou Joshua. – Mas eles, sendo gêmeos, tornam suas roupas parecidas ou da mesma época.

- É, mas... – antes que Miguel pudesse continuar, Fred o interrompe:

- Parem com essa discussão sem sentido! Miguel, tem uma sala de mantimentos ali, pode usá-la, e Joshua acho melhor você usar meu escritório, pois não quero que venham a me questionar o motivo de você estar usando certas roupas. – Então cada um seguiu seu caminho. Quando saíram, Miguel e Joshua trajavam ternos de cor parda, de ombros largos e camisas meio amareladas, devido aos anos que estavam guardadas, os sapatos de amarro eram de bico fino e com couro desgastado:

- Carai, to sentindo que este sapato vai arrebentar a qualquer minuto... – profetizou Miguel.

- Consegui algum dinheiro da época, na coleção de papai. Se eu conseguir trocar, ele vai ter outras, da mesma época.

- Num entendo essa mania de titio de colecionar dinheiro. Pô, ele tem até dinheiro atual, como aquela nota de plástico. Dá pra gastá-la ainda!

- É melhor ser um notafílico, do que bolafílico. – Discorreu Joshua, sobre a mania de Miguel de colecionar bolas vazias, desde pequeno.

- Vamos. – Disse Fred, antes que uma nova discussão se iniciasse. Indo pro computador, perguntou. – Em que ano seus avôs vieram para o país?

- Bem, não foram nossos avôs! – Acertou Joshua. – Foi só nosso avô, vovó havia nascido aqui, era ítalo-brasileira, morava ao norte do estado. Vovô e nosso tio-avô Giácomo, vieram ao país, fugidos da Segunda Guerra Mundial. Isso foi em 1942, quando começou a campanha contra o Eixo.

- Que doidêra isso, meu! – Esbravejou Miguel. – Vovô veio fugido da guerra. Se bem me lembro da história, tio Giácomo sabia falar muito pouco o português, que aprendera com uma namorada, mas mesmo assim se sentiram deslocados. Graças a uma pessoa que os ajudou, eles chegaram à cidade de vovó.

- Vocês falam italiano? – perguntou Fred.

- Miguel sabe. – Respondeu Joshua, acanhado. – Ele e nosso primo Abel aprenderam desde pequeno.

- É, nonno ensinava a nós dois. A Abel por ser o primo nipote, e a mim por que eu era um piano, um chato, como ele mesmo dizia.

- Exemplificando, Abel era o neto mais velho e Miguel era um pentelho chato. – Replicou Joshua, um pouco chateado.

- Certo, então vamos lá. Colocarei vocês nesse período.

- Legal. – Indagou Miguel.

Depois de digitar algumas coisas, Fred disse:

- Vamos ao escritório, e peço que se posicionem em frente ao Interportal para partirem. Nada de relógios ou aparelhos móveis, sabem que não funcionará no lugar que estão indo. – Foram para a sala do professor Fred, enquanto ele se posicionava atrás do diminuto aparelho de transporte, os dois ficavam de frente e, com o acionar de um botão, um brilho intenso surgiu a frente deles e seus corpos se tornaram frações de luzes, que adentraram pelo pequeno círculo do Interportal, viajando a uma velocidade incalculável.

Miguel se levantou, instantes depois, em um gramado aparado e úmido, com se tivessem enorme cuidado com ele. Sentiu uma enorme pressão na região abdominal e vomitou o sanduíche natural e o suco de acerola que consumira no intervalo entre as aulas:

- Que merda! – vociferou. – Da próxima vez não como nada.

- Seria bem pior. – Disse Joshua, levantando a cabeça, depois de vomitar. – Você vomitaria somente bílis e poderia prejudicar seu canal digestivo, sem contar que o corpo poderia ficar enfraquecido, fazendo-o necessitar de consumo de alimento, no qual poderia demorar em encontrarmos... Onde estamos?

- Aquilo é o quê? – Perguntou, apontando para um poste a distância, no breu da noite. – E por que chegamos à noite? Pensei que chegaríamos à tarde.

- Victoria Golf & Country Club! – pronunciou Joshua.

- Como é que é?

- Em 1966, o Victoria Golf & Country Club foi desapropriado para a construção da universidade, que começou em 1967. – Explicou ao primo espantado:

- Sabe, as vezes eu fico espantado de sua cabeça ser tão pequena.

- Titio que me contou isso! – contrapôs. – Se você fosse tão atencioso com nossos tios e tias como é com as amigas de nossas primas, aprenderia mais! – Miguel riu desdenhosamente, mas Joshua ignorou. – Vamos, precisamos sair daqui, antes que sejamos pegos...

- O problema, filho, é que vocês foram. – disse uma voz altiva. A pessoa carregava um lampião, para iluminar o terreno. – Quem são vocês, como entraram aqui? – Miguel e Joshua gaguejaram, sem saber o que responder. – Bem, mudos eu sei que vocês não são, pois os ouvi conversarem. Então? – Joshua se precipitou.

- Desculpe-nos, meu bom senhor, fomos pegos em um trote dos nossos colegas. Eles nos amarraram, nos amordaçaram e nos trouxeram até aqui, para que voltássemos a pé.

- Como eles lhes trouxeram?

- Através do canal que passa por ali. – E apontou. – Atravessaram a barco e entraram no manguezal, conosco dentro.

- Vocês não têm jeito... Está bem, desta vez não darei queixa, mas se eu vir-los novamente aqui, se arrependeram. Sigam-me até a sede, pedirei ao charreteiro para levá-los ao outro lado. – E seguiram o homem até o prédio que sediava o clube, de lá foram levados numa charrete pequena até o outro lado, pela ponte que passa sobre o canal. Deixados no meio do nada, Joshua e Miguel começaram a andar, sem um destino aparente:

- Certo. – Retorquiu Joshua. - Precisamos ir para o Centro, mas já deve ser tarde e os bondes só devem passar amanhã cedo, e uma caminhada até lá é muito longa. Temos de encontrar uma casa que nos aceite, pelo menos esta noite e partiremos logo cedo, tentando chamar o mínimo de atenção.

- Que lugar é este, não me lembro de nada disso?

- Nem adianta queimar neurônios tentando lembrar. Nossa cidade era bem menos desenvolvida neste período que estamos. Percebe que a ponte só é um caminho para se chegar ao clube de golfe? Não há mais nada daquele lado, nem o bairro onde moramos existe ainda, somente pequenas casas, pois os prédios só viriam a começar suas construções na década de 70. O que temos de fazer agora é procurar algum lugar, vamos lá. – E começaram a andar. – Ah, mais uma coisa, Miguel. Deixe-me falar com as pessoas.

Injuriado com a proposta, esbravejou:

- Por quê?

- Por causa do seu modo de falar. Você utiliza muitas gírias e seu estilo de falar é muito século XXI.

- Ah tá. – Ele concorda. – Neste ponto você tem razão, não conseguiria falar parecendo um afrescalhado. Posso falar em italiano...

- Nem pensar. – Alertou. – Se estivermos no período correto, recentemente um barco de passageiros foi atacado bem próximo daqui e muitos morreram. A raiva em cima dos italianos, japoneses e alemães, tomou conta do país, de forma que várias fábricas e o comércio dos descendentes deles foram atacados. Ser um descendente ou falar italiano não seria o mais interessante no momento.

- Ok então, vou falar inglês. Inglês pode, não? – Joshua abanou a cabeça. Localizaram um pequeno hotel, a beira do canal, com algumas luzes acesas e foram em sua direção. Miguel bateu violentamente na porta, com um olhar de reprovação do primo, ao abrir da porta um senhor de idade estava lá para atendê-los:

- Por que batem com tanta violência? Minha senhora e eu estamos a ouvir as notícias no rádio.

- Perdoe a imprudência do meu amigo, meu senhor, mas ele não é daqui. Somos estudantes e fomos pegos em um trote por nossos companheiros. Se fosse possível nos dar abrigo até amanhã, prometo que partiremos no primeiro horário do dia.

- Meu jovem, estamos em dias difíceis para ficarem até tão tarde na rua. Esses seus colegas não sabem que é um período de guerra que passamos? Vocês deveriam ficar em suas casas.

- Sei bem disso, mas é que chegamos a pouco na cidade e não conhecíamos este tipo de brincadeira.

- Bem, podem adentrar. Encaminhar-lhes-ei a um dos quartos daqui, onde poderão repousar até amanhã.

- Fico por deveras agradecido. – E a porta se abriu um pouco mais, para que eles pudessem entrar. O velho não tirava os olhos de Miguel:

- Seu amigo não sabe falar?

- Como eu disse, ele não é daqui, é estrangeiro, não entende nossa língua. - respondeu. – Sei que o deve estar pensando que ludibriaria um sujeito de tão tamanho e porte, mas é que ele é manipulável. – E dá um tapa na cabeça de Miguel. – Vê, ele não liga. – Dando um sorriso para o primo, que retribui com outro. Quando o senhor vira de costas para ambos, Miguel dá um safanão no primo, que quase beija o chão:

- Dá próxima vez que fizer isso, vai dormir por três dias. – cochichou, entre os dentes. Seguiram atrás do senhor, que passou por trás de um balcão e tirou uma chave:

- Aqui está. É o primeiro quarto, assim que subirem as escadas. Fiquem a vontade...

- Sinto não ter como pagar pelo quarto! – exclamou Joshua.

- Sem problemas, meu filho. Acordarei vocês assim que o dia raiar. Tenham uma boa noite e descansem. – E os dois subiram as escadas. Assim que entraram no quarto, viram duas camas:

- Assim não brigaremos para ver quem dorme no chão. – argumentou Miguel.

- Fique quieto. – ressaltou Joshua. – Já não basta ter cochichado, agora fala em alto e bom som?

- Ih, fica calmo, Joshua. É só um casal de velhos, acha que vão conseguir ouvir alguma coisa aqui em cima?

- Vamos nos deitar, temos de partir o mais rápido possível, pois quanto mais tempo permanecemos aqui, mais encrencas nos meteremos. – Dormiram rapidamente e acordaram no outro dia com batidas na porta. Quando Joshua abriu, era o dono do hotel:

- Então, prontos para o café da manhã?

- Obrigado meu bondoso senhor, vou acordar meu amigo e já encontro com o senhor lá embaixo. – O dono do pequeno hotel saiu, com um sorriso no rosto. Quando Joshua fechou a porta, foi até o primo que babava sobre o travesseiro:

- Miguel, anda. Acorda, precisamos descer para irmos.

- Mais uma hora. Hoje eu não tenho a primeira hora.

- Lógico que não, demente, pois nem no futuro nós estamos. – Miguel levantou como de um pesadelo:

- Carai, quase esqueci. Que horas são?

- Tá cedo ainda, mas acredito que eles devem sempre madrugar. – Se aproxima da janela. – Está vendo, o sol nem saiu ainda. Melhor descermos, eles estão nos esperando... Por favor, Miguel, ponha as roupas. – Falou Joshua assim que o primo levantou, nu.

Assim que Miguel se vestiu, os dois desceram e encontraram uma mesa repleta de comida, quando se sentaram, o casal saiu da cozinha, carregando um bule de café e outro de leite:

- Que bom que desceram. – Disse a senhora, parecendo animada. – o bolo está fresco, podem se servir. De onde vocês dois são?

- Eu sou desta região mesmo, o meu amigo veio de fora do país, dos Estados Unidos.

- Sei. – Disse o senhor, enigmático. – A não ser que vocês estejam fugindo de algo, não precisam manter essa mentira. Eu ouvi vocês dois conversando normalmente ontem, então não há motivos para permanecerem com essa mentira.

Joshua parecia perplexo, mas se virou enervado para Miguel:

- Eu te falei para ficar quieto.

- Ah, qualé Joshua! Menos mal que eles saibam quem somos, pelo menos não precisamos ficar nos escondendo.

- Seu modo de falar é peculiar, meu jovem. Começo a acreditar que teu amigo está certo, quando diz que és estrangeiro.

- Desculpe-o, meu bom senhor! – retrucou Joshua, enquanto se servia de uma xícara de café. – É que somos de bem longe mesmo e estamos aqui numa missão, precisamos reencontrar alguns parentes nossos.

- Fico deveras aliviado, meu jovem. Fiquei a imaginar se não seriam desertores ou algo parecido. Mas pelo bom trajar de suas vestes, pensei que pudessem até serem caixeiros viajantes. Mas estes parentes, residem aonde?

- Ao norte do estado, meu senhor.

- Norte do estado? São então descendentes dos italianos? – Joshua sentiu seu rosto queimar de arrependimento, pois percebeu que cometera um grave erro. – Não fique avexado, meu jovem. Também sou descendente de italianos. Nestes tempos de guerra, é raro encontrar pessoas dispostas a revelar suas origens, ainda mais após o incidente. Pobre rapaz!

- Fala do professor? – perguntou Miguel, para surpresa de Joshua.

- Exato jovem. Aquela embarcação que explodiu foi um destino cruel para o rapaz, mas a revolta e o desejo de vingança que assolou a mentes do pessoal daqui, foi ainda pior. Muitos descendentes de italianos e alemães tiveram suas lojas queimadas ou apedrejadas. Perdemos muitos fregueses e por várias vezes pensamos em retornar para o norte, só que não temos mais nada por lá, tudo nosso foi investido nesta pensão. Nossos filhos estão crescidos e possuem suas próprias vidas, então preferimos permanecer por aqui.

- Meu avô sempre dizia que a família é para isso, apoiar um ao outro. – Retrucou Miguel. – Se os seus filhos são sua herança, eles saberão acolhe-los.

- Seu avô era um sábio. Onde ele nasceu?

- Calábria.

- Eu era muito jovem quando chegamos, mas somente me lembro de três famílias calabreses, os De Rosa, Spina e Pirillo, de qual deles vocês são? – Joshua percebeu que Miguel poderia simplesmente causar-lhes mais problemas e interveio:

- Nosso nonno não veio junto com a grande imigração no século XIX. Ele chegou depois e conheceu nossa nonna, que é toscana, da família Gentili.

- Ah sim, também somos de Toscana, tanto eu quanto minha esposa. Nossa família se mudou para a mesma região, éramos vizinhos. – Miguel chega ao pé do ouvido do primo e cochicha:

- Esse papo ta didático demais pra mim. – Percebendo os dois de segredo, o dono da pousada fala:

- Há algum problema?

- Não. – Retruca Joshua, olhando com severidade para Miguel, que concorda com a cabeça. – Sempre é bom saber de nossas origens. Então possivelmente deve ter conhecido nossa nonna.

- Sim, é possível, mas não pretendo prendê-los mais com lembranças de pessoas velhas. Vocês precisam seguir viagem, mas tomem mais cuidado com trotes. Tiveram sorte de não perderem a roupa do corpo. – Sentindo o rosto ruborizar, Joshua com concordou com a cabeça, sem tirar a xícara de café de perto da boca.

Agora leia a Segunda Parte e depois a Terceira Parte.